terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Povos originários: uma luta sem fim


O cinismo tem sido a marca registrada das autoridades e das pessoas “de bem” quando se trata da questão indígena. O exemplo mais cabal disso é a declaração do novo presidente da Funai, Antonio Fernandes Toninho Costa, indicação do conservador Partido Social Cristão, que declarou: “chega de assistencialismo, agora é preciso ensinar o índio a pescar”. Cinismo e mau caratismo, poderíamos agregar. Desde a invasão, em 1500, que a bíblia vem sendo usada pra oprimir e destruir, bem como o discurso de “integração” tem servido para tentar apagar as culturas originárias.

A história do Brasil ainda precisa ser contada sob o ponto de vista dos povos originários. Mas, por enquanto, o que vigora é a visão do colonizador. Um Brasil “descoberto”, uma gente “inútil”. Para Cabral e seus parceiros, era impossível que povos inteiros vivessem numa terra tão rica sem se importar com a riqueza. Ao contrário de espaços geográficos como México e Peru, onde vicejavam civilizações, na região conhecida como Pindorama as etnias eram coletoras e caçadoras. Não haviam ainda conformado estados ou macro etnias. Como bem conta Darcy Ribeiro,no seu livro “ Os índios e a civilização”  por aqui vicejavam as micro etnias, cada uma com seus usos e costumes. Sua onda era guerrear, caminhar pelo território, viver a larga.

Por isso a chegada dos homens barbudos e vestidos de veludo foi uma alegre novidade. Recebidos com hospitalidade, os portugueses não se importaram em saber quem eram aquelas pessoas, o que pensavam, com o que sonhavam e como viviam. O único intuito dos “descobridores” era encontrar ouro e riqueza. A cultura do saque, como bem mostra Manoel Bomfim, fez morada nesse espaço de belezas.

O primeiro contato foi de enganação. Depois a escravidão. Como os originários não se prestaram à servidão, veio o tempo do massacre. O povo da terra era inútil para os portugueses. Não eram empreendedores, não ligavam para o ouro, não queriam o progresso. Só queriam viver a vida e seguir o rumo natural da sua evolução. Só que a conquista foi uma cunha, poderosa e ferina.

Pelo mar chegaram os ladrões e os homens de deus. Com a cruz, buscavam a salvação dos gentios, sem levar em conta de que eles tinham seus próprios deuses e crenças. Impuseram a fé católica no ferro e no fogo.

Assustados com o terror imposto pelos brancos, os originários foram se internando no Brasil profundo. Mas os brancos eram insaciáveis. Não bastava roubar as terras do litoral, era preciso entrar pelo interior e seguir com o saque e o roubo do território. Foram 400 anos de extermínio. Os originários não se prestavam ao trabalho. Eles eram livres. Então, que morressem. E assim foi. Pelo mosquete, pela cruz e pela doença, assim foram sendo dizimados povos inteiros.

Foi só no início do século XX que o Marechal Rondon, um positivista humanista, decidiu que era preciso acolher os que sobraram, integrar à sociedade, ao novo mundo que se formara nessas terras. E ele adentrou pelo Mato Grosso, Goiás, Amazônia. Tinha um lema: morrer se preciso for, matar, jamais. E assim foi conquistando a confiança de muitas etnias. O problema é que nem todo mundo era Rondon, e a expansão das fronteiras agrícolas e extrativistas  também levavam para as terras indígenas os homens brancos sanguinários e assassinos.

Quando o século XX completou sua metade,  os originários eram pouco mais de 150 mil almas. Muitas etnias tinham desaparecido por conta da violência e do roubo. Havia quem previsse a completa extinção “dessa gente”. Os que sobraram estariam integrados na sociedade, vivendo como brasileiros.

Mas, isso sempre foi uma ilusão do conquistador. O poder era tão grande e o estrago também, que a arrogância já não tinha limite.  O Brasil era uma nação, embranquecida pelo imigrante e pela miscigenação, acreditavam.

Só que enquanto nos gabinetes se celebrava o fim dos povos originários, eles tramavam nos recônditos do país. Organizavam-se, uniam-se, cresciam. E avançavam na luta por território e direitos. Nunca haviam se integrado. Mudaram, é fato, porque foram obrigados a viver no mundo que não era deles. Aprenderam os códigos, sobreviveram, mas nunca esqueceram sua essência. Nas noites claras de lua eles ensinavam seus filhos e netos na tradição, contavam histórias, passavam conhecimento. Darcy chamou isso de transfiguração étnica. Eu chamo de técnicas de sobrevivência na selva branca.

Os povos jamais esqueceram suas raízes, seus deuses, suas tradições, sua filosofia e cosmovisão. Guardaram a sete chaves, repassaram de geração em geração, na memória oral, nas casas de reza, longe da compreensão do homem branco.

E quando todos pensavam que eles já estavam “aculturados”, eles assomam com suas línguas, seus ritos e suas reivindicações. Hoje são quase um milhão de almas.

Não há que ensinar a pescar ao índio. Não há. Ele é quem pode ensinar ao arrogante homem destruidor de tudo que há uma chance de sobreviver nesse mundo, homens, bichos, plantas, planeta vivo. Na harmonia com a Pachamama, no respeito e no cuidado. É o ensinamento que pode salvar o mundo.

Mas, de novo, os invasores seguem acreditando que os originários são um atrapalho ao progresso. “Um povo que não se ajuda”, como definiu um morador de Florianópolis ao referir-se aos originários que reivindicam um lugar para ficar durante sua estadia na capital para a venda de artesanato. Um povo que não se ajuda? Como assim, cara pálida?

Imagine que tu tens um lugar, onde tu vives com tua família. E vem um povo, do nada e te rouba, e mata teus parentes, teus filhos, te expulsa, te confina em reservas como se fosse um bicho, exposto à caridade, tira toda a materialidade que define teu modo de vida. E tu queres o quê? Um povo que não se ajuda?

Os homens e mulheres, filhos originários dessa terra não precisam de tua comiseração, nem de teu anzol, nem de teu peixe. Eles estão determinados a conquistar o lago, garantir suas terras, seu jeito de viver. E estão em luta. Essas pessoas que tu vês nas ruas, vendendo cestos e bichinhos de madeira não estão te pedindo nada. Estão mostrando quem são, evidenciando sua cultura e seu trabalho. Um trabalho ao qual foram obrigados porque lhes tiraram as terras e a vida. Não é proposta do Guarani, ou do Xokleng ou do Kaingang vir para a cidade vender aquilo que é a essência do seu ser. Não é. Apenas ele é obrigado a isso por uma sociedade que já tornou até a sua cultura uma mercadoria passível de ser explorada.

Então não venham com suas bíblias, como nos tempos da colonização, dizer o que é certo ou o que é errado. Não venham vomitar um deus que ao longo dos séculos, para eles, foi um deus de destruição, morte e violência. Ninguém que sofreu a dor de ver sua cultura destruída quer viver no céu dos cristãos. Como Hatuey, o grande cacique Taíno, que foi preso e esquartejado por que não  quis tornar-se cristão. “Se eu ficar cristão vou encontrar essas pessoas no céu?”, perguntou ao padre jesuíta que o torturava. “Sim”, respondeu o padre. “Então danem-se, eu não quero estar com essa gente. Jamais serei cristão”.

É isso. Danem-se. É mais do que hora de as gentes entenderem que os originários têm direitos. Que eles precisam de seus territórios, que são mais do que terra, são espaços sagrados. Eles precisam e vão tomar. Por bem ou por mal. Pode vir o agronegócio, os jagunços, as balas, a PEC 215, o escambau. Eles vão tomar. Não adianta espernear. Pode vir Temer, Funai, Igreja Universal, padre católico, o que for. Esse povo sobreviveu cinco séculos, no silêncio de suas moradas secretas. E estão aí.

Se não gostam de vê-los pelas ruas, danem-se! Se não entendem seu modo de vida, estudem e aprendam. Como diriam os zapatistas: “nunca mais o mundo sem nós”. E é isso!

As prefeituras vão ter de garantir espaço e segurança quando eles quiserem andar e vender seus artesanatos. Tiraram tudo deles e agora quem o quê? Que eles aceitem o roubo de suas terras e de suas vidas. Não vão aceitar. Não aceitam. Estão aí e estão em luta. Seu silêncio não é subserviência nem medo. Seu silêncio é força e resistência.   

Aprendam e preparem-se.


Caso Daniel Dambrowski – UFSC tem autonomia para decidir


Quando a luta é proibida - Greve das 30h detonou a perseguição a Daniel

A procuradoria-geral encaminhou resposta à administração da UFSC sobre o caso da exoneração do trabalhador Daniel Dambrowski, que foi determinada por ele ter sido mal avaliado, mesmo estando em licença médica. Na verdade, conforme denúncias de vários colegas, a exoneração, que aconteceu no último dia da gestão de Roselane Neckel, teria sido uma represália por conta da participação de Daniel na greve das 30 horas.

Com a chegada da nova administração, o caso foi levado pelos trabalhadores a uma assembleia geral, na qual estava o reitor, e ele se comprometeu a rever a decisão e dar mais prazo para que o advogado de Daniel pudesse se manifestar. Isso foi feito, mas o gabinete e a PRODEGESP reencaminharam o processo para a procuradoria, informando que a reconsideração era sobre o parecer anterior, não deixando claro que a reconsideração encaminhada pelo advogado de Daniel não era sobre o parecer da procuradoria, mas sobre todo o processo e seus flagrantes vícios. E foi assim que o processo voltou para a procuradoria, com o recurso sendo analisado de forma equivocada, segundo nosso entendimento.  

No documento, datado de 12 de fevereiro, encaminhado pela procuradoria à administração, a procuradora Alessandra Rezende aponta para o caráter meramente consultivo do órgão e afirma o poder de autotutela da UFSC em rever seus procedimentos e avaliações. Ela também argumenta que não é cabível recurso sobre o parecer anterior, porque o mesmo foi dado dentro do limite de um questionamento relativo ao período de estágio probatório e não do recurso impetrado pelo requerente, considerando, dessa forma, que um pedido de reconsideração possuía caráter protelatório.

Apontou, todavia, à autonomia da reitoria da UFSC em julgar o caso, frisando que “caso a Administração Central entenda ser cabível a revisão dos atos deflagrados, com base no poder de autotutela, possui plena autonomia para deliberar e determinar os procedimentos que julgar pertinentes na apuração dos fatos”. 

Sendo assim, agora, caberá ao reitor  rever o processo e garantir que a avaliação de Daniel seja refeita, sem os vícios apresentados. Daniel foi avaliado em quesitos como assiduidade e pontualidade, por exemplo, quando estava de licença médica. Como ser avaliado se não está no setor de trabalho por conta de tratamento de saúde?  

Para o movimento dos trabalhadores, que tem se organizado sob o lema: “Somos todos Daniel”, a procuradoria foi bastante clara em deixar para a administração central a decisão sobre o processo. E como o próprio reitor Luis Carlos Cancellier já se manifestou no sentido de rever o caso, tudo aponta para que o trabalhador TAE Daniel Dambrowski possa ter uma avaliação justa.  As portas estão abertas à essa real possibilidade.
  
Cabe lembrar que a primeira avaliação qualitativa, quando ele ainda não estava envolvido no movimento de luta na UFSC, foi bastante positiva. Foi a partir de sua ação mais política dentro da instituição, quando ele começou a fazer parte do Grupo Reorganiza, que a avaliação passou a não levar em conta o trabalho que ele realizou fora do setor. Frisa-se que ele foi nomeado por portaria para essa função. E a terceira avaliação, já depois da greve das 30h, na qual ele foi um dos protagonistas, bem como com participação expressiva no Conselho Universitário, fugiu a todo o bom senso, sendo uma avaliação carregada de afirmações não comprováveis e contraditórias na relação com suas avaliações descritivas realizadas na mesma data das avaliações objetivas.

Agora, se só cabe ao reitor decidir, que ele não leve adiante a perseguição e os erros anteriores e garanta que a justiça seja feita.


Agecom recupera status de diretoria, jornalismo valorizado


 Artêmio de Souza, uma vida dedicada à UFSC



Foi no mandato das professoras Roselane Neckel e Lúcia Pacheco, na Universidade Federal de Santa Catarina, que a Agência de Comunicação sofreu a mais dura transformação. Apesar de ser reconhecida nacionalmente por seu trabalho de divulgação científica – pelo qual chegou a ganhar o Prêmio José Reis de Divulgação Científica - e pela consolidação de uma política pública de comunicação, a Agecom foi completamente desmantelada.

A primeira decisão que chocou os jornalistas do quadro foi a de tirar da Agência o status de diretoria. O setor, que durante anos fora comandado pelo jornalista Moacir Loth, caiu em importância, tornando-se uma mera coordenadoria, completamente subordinada ao gabinete da reitora. Não bastasse essa desqualificação do jornalismo profissional da UFSC, a reitora ainda decidiu que uma professora do Curso de Jornalismo deveria comandar a comunicação desde o gabinete. Um baque, visto que historicamente sempre fora um jornalista de carreira que comandara a agência. Nas duas vezes que isso foi diferente, houve luta e protesto. Mas, a então nova administração não deu ouvidos aos trabalhadores e colocou a Agecom em segundo plano, montando dentro do gabinete uma estrutura chapa branca que se destinava a divulgar as ações da reitoria. A Agecom, antes uma fulgurante agência, ficou praticamente sem função.

Apesar de todo o desmonte, os jornalistas do quadro resistiram e seguiram esperando que o tempo passasse. Afinal, não há mal que sempre dure e os reitores e reitoras de plantão também passam.

Pois agora, com o novo reitor, Luis Carlos Cancellier, a Agecom recuperou sua importância estratégica e os profissionais do jornalismo, concursados, voltam a ser valorizados. Um trabalhador de carreira, jornalista, Artêmio de Souza, foi escolhido para ser o novo diretor. Uma decisão que contou com o apoio da equipe, pelo extremo cuidado e competência com que ele sempre atuou na Agência.

Artêmio entrou na UFSC em 1988 e desde então tem desenvolvido um trabalho irretocável. Dono de um texto singular, marcado por fina ironia, ele não apenas se destaca na área impressa como também na televisiva. Durante um bom tempo, em função do próprio desmonte da Agência, ele esteve atuando na TV UFSC, onde inclusive comandava um programa de entrevistas. Seu temperamento tranquilo o faz a pessoa mais certa para esse novo momento da Agência. Devagar, mas com segurança, ele irá garantir à Agecom um novo tempo.

Entrar na Agecom agora já não causa nenhuma tristeza ou estupor. A vida voltou por ali. Os novos jornalistas recuperam o trabalho cotidiano, novas ideias estão surgindo e a comunicação integrada volta a se fazer. Tudo vibra. Nada mais de assessoria específica de reitor, mas uma proposta pública de comunicação, da qual a universidade inteira pode usufruir.

Para o jornalismo, uma boa notícia. Para os jornalistas também, afinal, como já foi em outros momentos, a Agecom poderá voltar a fazer o que lhe é devido: jornalismo, público e comprometido com a sociedade.


Vida longa e próspera para a Agecom e toda a equipe.