segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Campeche segue em luta





















Do elevado em frente ao Rancho da Canoa alguns moradores observavam a praia. Estavam silenciosos e inquietos. Na areia um festival de guarda-sóis coloria toda a faixa e o mar batia forte. Ouvia-se o riso das crianças e os gritos da juventude serpenteando sobre as ondas. Na cabeça de cada uma daquelas pessoas em frente ao rancho passava um filme, sobre um Campeche sonhado e lutado.  Do lado, o rio Rafael vertia água pútrida, caminhando direto para o mar. Janice Tirelli vaticinou: “é o começo do fim”.  O bairro-jardim, tão duramente defendido ao longo dos anos de discussão sobre o Plano Diretor parece cada dia mais distante. Ao longe, os condomínios assomam nas dunas, parecendo tripudiar daquelas almas pensativas.  

Ninguém ali é contra o turismo ou os visitantes que todo ano procuram o Campeche para as férias. Não. O que sempre vigiaram foi o cuidado com a praia, afinal, ela é de todos, nativos ou não. É pública, é bela, é limpa. E assim tem de ser, para quem mora e para quem está de  fazem fossa e que aproveitam a tubulação da água pluvial para jogar o esgoto. É bom que se lembre: não há rede de esgoto no Campeche. Além disso, também pesam as construções gigantescas – de licenças ambientais duvidosas - na beira dos velhos riachos que até ontem corriam livres e limpos. Assoreados, perdidos de sua vegetação nativa, eles tentam sobreviver, sem conseguir. O máximo que conseguem chegar a ser é uma fossa aberta, escorrendo para a areia, deixando-a verde, limosa e malcheirosa.

São pelo menos três pontos críticos no Campeche. No riozinho, no rio Rafael, na Lomba do Sabão. E a comunidade cansou de esperar pelo poder público. Por isso aquela gente estava ali, no domingo, em frente ao rancho. Inquieta e impaciente.

Foram chegando devagar, dispostas a fechar os esgotos de quem estava fazendo o malfeito. Em pouco tempo já era uma algaravia só. “Isso é culpa do fulano, beltrano ligou esgoto, condomínio tal também”... Quem visse de longe pensaria que era alguma briga. Povo agitado esse nosso. Em pouco tempo apareceram os sacos de farinha, pás, enxadas. Num átimo e toda aquela gente já subia pelas dunas em busca do ponto certo do rio onde botar os sacos de areia. No minuto seguinte os sacos já estavam sendo enchidos e se formava um cordão de gente até o rio, cada um dando seu melhor esforço.

No alto das dunas, um grupo de moradores de um dos condomínios construídos na beira da praia observava a movimentação com cara de nojo. Uma das mulheres dizia: “Temos de fazer um caminho do condomínio que separe isso aqui”. O “isso aqui” éramos nós, os moradores preocupados com a limpeza da praia. Nem ali, na boca da praia, a gente consegue fugir da luta de classes. Marx sempre certo. Os endinheirados não estão nem aí para o lugar. Desde que mantenha a aparência de limpo, está tudo bem.

Do outro lado, próximo ao rio, seguia a azáfama. Sacos e mais sacos fecharam a saída para a praia. A intenção era fazer com que o esgoto voltasse e entupisse as casas e condomínios que jogam esgoto irregularmente na rede pluvial. “Aqui é a união, isso é a união. Não é marinha, não é governo, é o povo, unido”, gritava Luis, uma dos garotos que está batalhando nas barracas da praia e que tirou um tempo para vir ajudar. Ele também é morador do Campeche e se importa com a praia.


A ação direta terminou quando a barra da noite já ia aparecendo. Se a administração da cidade não faz, a gente faz. A semana será de novas investigações e onde for achado esgoto será lacrado. No próximo domingo já tem outra ação marcada. Será às 19 horas, com saída em frente ao Bar do Zeca.