sábado, 24 de dezembro de 2016

A Síria e suas complexidades


O povo sírio, que hoje vimos fugindo da guerra já é um velho conhecido do mundo judaico/cristão, a partir da leitura do livro sagrado, a bíblia. A região é terra originária de povos como os canaanitas, hebreus, assírios, babilônios, persas, gregos, bizantinos e fenícios. E sempre foi motivo de cobiça dos que alçavam o poder, por ser uma espécie de portal unindo dois mundos, o europeu e o árabe. 

O seu povo mais antigo é o Cananeu, o qual conhecemos como fenícios, exímios marinheiros e comerciantes, criadores da primeira civilização mercantil do mundo. A eles também devemos a invenção do alfabeto, a técnica de construção de barcos de alto-mar, a criação de mapas náuticos e a ousadia em conhecer o mundo para além de seus limites.

Já a conformação política de seu espaço geográfico obedece a uma lógica que é quase incompreensível para nós, ocidentais, acostumados com a ideia de estado no modelo europeu e à chamada democracia burguesa. Não se pode pensar o mundo árabe com esses conceitos. Desde os tempos mais remotos os governos regionais estiveram nas mãos de clãs, ora originários, ora oriundos de conquistas de vários outros clãs ou mesmo impérios, como o romano. Uma forma de governar na qual o sangue tem grande peso.

Com o aparecimento do profeta Maomé, que de certa forma uniu o mundo árabe, o processo de mando mudou outra vez. Começou o tempo dos “sucessores” do profeta, os califas. Assumia quem se mostrasse sangue do profeta ou tivesse ligações profundas com seu legado. Mas, ainda assim, mesmo entre eles acontecem divergências e vários grupos vão se formando, representando o que consideram a “mais” legítima descendência de Muhamad. Não é um processo tranquilo. Também é eivado de guerras e disputas.

Não bastassem suas próprias divisões, os árabes dessa região também tiveram de enfrentar as Cruzadas, que foram as invasões do mundo cristão, dispostas a “civilizar” os muçulmanos e a roubar todas as riquezas. A Síria, para azar do seu povo, tinha um papel muito significativo na história do cristianismo, pois foi na entrada da cidade de Damasco que o apóstolo Paulo, o que viria a ser o criador da igreja católica, se converteu. Logo, aquele era um espaço sagrado que os cruzados queriam, por força, conquistar. Naqueles dias, o poder central da região estava em Bagdá e por conta disso a ocupação cristã foi bastante facilitada, durando mais de 200 anos.

Foi só em 1175 que o grande Saladino, ao unificar Egito, Síria e Iraque, recuperou o espaço e tornou Damasco a capital, expulsando os cristãos. Toda essa história explica porque até hoje sobrevivem as comunidades cristãs na região, afinal, Saladino respeitou os credos, e nunca impôs a religião muçulmana a nenhum dos seus conquistados.

Com a morte de Saladino a região voltou a se quebrar e, de novo, os conflitos regionais e os clãs alternaram os mandos. Mas foi justamente a presença de grupos cristãos que, mais tarde, a partir de vários conflitos, tornou possível a invasão da Síria pela França. Com o pretexto de que tinha de salvar os cristãos, os franceses se arvoraram entrar no território por volta da segunda metade do 1800 e ali ficaram até a independência do país em 1946. Na verdade, a região já estava enquadrada no processo de acumulação do capital que levava as nações ricas a buscarem o domínio sobre novos territórios. Isso não aconteceu apenas na região árabe, mas também na África. A intenção era tomar toda a terra possível. Os franceses dominavam Síria e Líbano, enquanto os ingleses ocupavam a Palestina, a Jordânia e o Iraque.

Assim que os conflitos e guerras pelo domínio da região não são de agora. O que acontece nesse momento na região é mais uma investida do sistema capitalista maduro, sob novas coordenadas e sob novos grupos de poder. 

A Síria para os árabes

Quando no final da segunda grande guerra as forças políticas mundiais se modificaram foi a vez de a região reforçar a luta pela libertação do jugo colonial europeu. Isso ficou visível já na Guerra do Suez quando as forças sírias se aliaram ao Egito contra a França, Inglaterra e Israel. Foi o começo do que mais tarde veio a ser o mais ambicioso projeto de unificação: A República Árabe Unida, proposta pelo egípcio Gamal Abdel Nasser, que não vingou, e mais tarde a Federação das Repúblicas Árabes. Propostas que preocuparam os governos dos países centrais, pois, afinal, aquele mundo era a maior reserva de petróleo do planeta. 

Não bastassem os desejos de libertação autóctones as ideias socialistas também começaram a fervilhar na Síria e é justamente uma revolução popular, em 1963, que coloca no poder o Partido Baath (Partido do Renascimento Árabe Socialista), de caráter nacionalista e socialista, que igualmente se expressa no Iraque, Líbano e outros países da região. Com isso, as propostas de unificação ou de formação de um grande bloco regional de poder ficaram mais fortes. Não foi sem razão que a Síria teve participação central nas guerras árabe-israelenses, se colocando contrária a política dos Estados Unidos na região bem como aos famosos acordos de Camp Davis, fechados entre o Egito e os EUA. Esse acordo, inclusive, isolou o Egito do restante do mundo árabe, afinal, ninguém ali acreditava que o império estadunidense fosse cumprir as promessas. Como de fato não cumpriu. Uma delas, por exemplo, era criar o Estado da Palestina. Todos sabem o que aconteceu. Israel seguiu tomando território e hoje aprisiona os palestinos em sua própria terra.

Na verdade, a criação do estado artificial de Israel já tinha sido um bem urdido plano de desestabilização da região logo após a guerra. Era preciso ter ali uma base segura para garantir as futuras invasões. Não teve, portanto, nada de humanitário na conformação de Israel. Tudo fazia parte de uma jogada política de dominação do terreno e de suas respectivas riquezas. Assim que nos anos 60 e 70, a ascensão de grupos socialistas na região árabe se configurava um perigo muito grande para os EUA, e o combate não demorou. Durante esse tempo a Síria teve papel fundamental na luta pela unificação árabe, liderada por Hafez al-Assad.

Durante os anos 70 e 80 os Estados Unidos apertaram o cerco na região, criando alianças com governos árabes, buscando assim, enfraquecer a ideia de unificação. A própria guerra Irã-Iraque contou com a mão, sempre visível, dos Estados Unidos, e foi minando cada vez mais as propostas de um mundo árabe irmanado. Arábia Saudita, Iraque e Jordânia estavam comprovadamente na esfera de “amizade” dos EUA. Naqueles dias, os socialistas da Síria acusavam o Iraque de armar rebeldes conhecidos como “irmandade muçulmana”, para que esses derrubassem o governo sírio. Foi um tempo de muitas batalhas.

A partir daí a região esteve envolvida em conflitos permanentes, sempre ligados as duas grandes narrativas políticas: o capitalismo, representando pelos Estados Unidos e o socialismo, representado pela União Soviética. Assim como todo o resto do mundo, a chamada “guerra-fria”, de disputa pelos espaços, era o que comandava as ações políticas. Veio a guerra civil libanesa e a intervenção de Israel. Vieram as crises com os outros vizinhos e até com aliados,  como o próprio Arafat. 

Com o fim da União Soviética as coisas naquela parte do globo também começaram a mudar. A Síria voltou a ter relações com o Egito e nos anos 90 também se aproximou dos Estados Unidos.  Dentro da Síria seguiam atuando os grupos ligados à irmandade muçulmana. E também seguia o conflito com Israel, pois a Síria queria a saída imediata dos sionistas e a recuperação das Colinas de Golan.  No final dos anos 90, o país volta a se aproximar do Iraque, no contexto da guerra movida pelos EUA.

No inicio do novo milênio, com a morte de Hafez al-Assad, que havia comandando a Síria nesse período,  assume a presidência o seu filho, Bashar al-Assad.Esse seguiu enfrentando o intrincado tabuleiro da região, dividido entre as propostas socialistas, os grupos rebeldes pró Estados Unidos,  os clãs tradicionais e os fundamentalistas islâmicos. Assad, o filho, seguia a mesma estrada de tentativa de expulsão de Israel da região, em aliança com o Hezbollah, e os conflitos se repetiam, com atentados, conflitos e períodos de relativa paz. 

No ano de 2002 os Estados Unidos incluíram a Síria no chamado “eixo do mal”, usando o mesmo discurso que usavam contra o Iraque, de que o país tinha armas de destruição massiva. E, depois de invadirem o Iraque para derrubar Hussein, ainda aplicaram sanções econômicas.  As ações contra Síria se fortalecem depois do suposto ataque às Torres Gêmeas nos EUA, o qual desencadeia o violento processo de ocupação do oriente médio.

Nesse contexto de permanente ataque por parte do ocidente, al-Assad também enfrentava a ação de novos grupos de oposição dentro da Síria, alguns patrocinados pelos EUA e outros não. Começava aí também a escalada do fundamentalismo religioso, que hoje se expressa no conhecido ISIS, ou estado islâmico.

Em 2007 al-Assad volta a ser eleito presidente com 97,6% dos votos e segue com sua luta contra Israel. Dentro do país fervilham novos protestos populares e a Síria vive uma espécie de guerra civil. A chamada “primavera árabe” que acabou derrubando um a um os governos dos países que não se alinhavam aos Estados Unidos jogou a Síria no centro do conflito. Nesse contexto já aparece, em 2011, o ISIS, ou estado Islâmico que, a partir de um pensamento fundamentalista e recebendo armas dos Estados Unidos, começa a pleitear um novo califado na região, ou seja, um novo sucessor do profeta Maomé. Juntam-se assim a religião, os interesses do ocidente, os interesses dos mais variados clãs, os nacionalistas, os interesses geopolíticos da Rússia, num grande caldeirão que vai consumindo o país. Em 2014, apesar de toda a ação estadunidense contra o “terror”, o que se via era esses grupos crescendo sob suas asas, e o Estado Islâmico já dominava uma grande região na Síria provocando mortes e fugas em massa. O exército sírio não deixou de dar combate, aliando-se aos russos, na tentativa de exterminar essa ameaça que é concreta no território.

E essa é uma pequena parte da história desse espaço geográfico tão conturbado. Uma guerra que, de fato, começou, com a participação do ocidente, depois da invasão da França em 1860, já configurando uma ofensiva do capitalismo nascente. Olhando desde fora, percebe-se que o lugar é um tabuleiro, no qual as grandes potências e os interesses das classes dominantes mundiais se digladiam. No meio de tudo está o povo desorganizado, o que sofre a ação da guerra, seja de que lado for. Não importa se as balas vêm dos russos, dos estadunidenses, dos árabes socialistas, dos mercenários  ou dos religiosos fundamentalistas. As pessoas estão sob fogo cruzado. Quem tem condições e não quer se aliar a nenhum dos grupos que lutam na Síria, foge. Os que não têm como sair ficam e morrem. Há os rebeldes de vários matizes que ficam e lutam. E há as tropas sírias, russas, estadunidenses, e uma sorte de mercenários de vários países.

Quem está desse lado do mundo e se depara com todo esse terror que tem ceifado a vida de milhões de pessoas a primeira a coisa a fazer é buscar conhecer a realidade do lugar. Puxar pela história, procurar saber quais são as forças que se debatem ali, hoje bastante diversas e já contaminadas com as ideologias ocidentais. Depois, é preciso encontrar um lado, pois os conflitos que hoje tem lugar naquela parte do mundo estão visceralmente ligados a nossa existência aqui nessa já tão destroçada América Latina. No oriente médio, jogam-se as cartas da nova onda de acumulação capitalista, disputam poder os novos grupos que conformam as forças mundiais. Se para garantir a expansão do capital for necessário matar toda a população da região, eles o farão. Não é uma briga entre os bonzinhos e os malvados, é o capitalismo sendo ele mesmo.


A guerra que temos de travar é contra esse sistema que, para existir e se reproduzir incessantemente, passa por cima dos interesses humanos.  E que avancem as forças organizadas que lutam por um mundo livre do capital.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Poema do menino Jesus


O ano de 2016 não foi nada bom.. está indo tarde... E tantas foram as dores que não restou muito de belezas, nem nas palavras... Por isso, nesse natal busco a ajuda do grande poeta Alberto Caeiro e ofereço como presente parte desse poema lindo sobre o menino Jesus. Afinal, o natal é o dia dele, o gurizinho, nascido em terras palestinas, que nos ensina que amar é a melhor coisa que podemos fazer... Felizes dias e festas... 

Eu me recolherei, jogando cinco-marias com o deus-menino.


...A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.



O Rio Grande, os trabalhadores e o capital

 Foto: Claudio Fachel

O que aconteceu ontem no Rio Grande do Sul é uma prévia do que virá em todos os estados da Federação. Deputados votando leis que retiram direitos, trabalhadores agredidos pelas polícias militares, governadores impassíveis e insensíveis às dores das gentes. O argumento para a barbárie contra os trabalhadores é o de que o estado está endividado e há que cortar na carne para equilibrar as contas. Só que esse cortar na carne, não se refere a qualquer carne. É a carne de quem produz a riqueza: o trabalhador. A carne de quem se apropria do lucro gerado por esse trabalho não sofrerá sequer um risquinho. Não bastasse isso, as pessoas que sofrem os ataques sequer sabem como a dívida foi contraída, em que bases e para onde foi o dinheiro.

Isso não é nenhuma novidade para quem estuda o modo de ser do capitalismo. Nesse sistema, que Mészáros considera “incontrolável”, o Estado existe justamente para proteger os meios de produção (que são de propriedade dos capitalistas) e a propriedade privada. Tudo é feito para garantir a expansão do capital e a maior extração do trabalho excedente. Logo, quando há uma crise mais profunda, como agora, cabe ao estado proteger as condições gerais da extração da mais valia do trabalho excedente. O que isso significa? Que novas normas e leis são criadas para garantir que a taxa de lucro dos capitalistas não caia. Logo, a outra face dessa verdade é o chicote no lombo dos trabalhadores. Assim, cortam-se direitos e diminui-se a intervenção do estado na vida das gentes, com cortes nos setores públicos.

O que acontece hoje no Rio Grande do Sul é a expressão do que já começou a acontecer em nível nacional com a aprovação da PEC 55. Nesse sistema, que Mészáros chama de “sistema metabólico do capital”, o tripé Capital x Trabalho x Estado é como uma entidade única de três cabeças, sendo que a cabeça Trabalho é a que vive sob a subordinação. E ela está sob o tacão da força porque, sem ela, as outras duas cabeças deixariam de existir. Ainda assim, mesmo dependendo da força dos trabalhadores para se fazer real, o capital não faz qualquer concessão. Diante e qualquer possibilidade de perder lucro, o sistema se reorganiza sem levar em conta, no mais mínimo, os interesses das pessoas. Todas as decisões são tomadas para manter rodando a roda viva da produção do lucro. É o “sistema” que precisa se manter. Danem-se os trabalhadores. Existem tantos no mundo que o capital pode permitir que muitos deles venham a perecer diante das medidas de austeridade tomadas.

Assim que não há qualquer eficácia em apelar para os “bons sentimentos” dos governantes. Eles não estão subordinados a qualquer compaixão. Sua subordinação é a um sistema que se configura incontrolável, exigindo sempre mais. Uma espécie de deus sanguinário. Quanto mais sangue se lhe é sacrificado, mais ele quer. Mészáros diz que o capital tem um controle sem sujeitos. E o que quer dizer com isso? Que não há no quadro de mando do sistema alguém que possa olhar para o sofrimento dos trabalhadores e se compadecer. Não. O sistema exige mais e mais e os seus supostos controladores – na verdade controlados pelo sistema - só o que podem fazer é aplicar receitas que permitam a insaciável expansão do capital.

Por isso que o governador Ivo Sartori pode ser visto dando risadas no aeroporto enquanto sua polícia desce o cacete nas gentes em frente à Assembleia Legislativa. Aquele que comanda o estado sabe que sua função ali será a de garantir o controle de qualquer rebelião que venha a ameaçar o perfeito rotacionar do sistema. Por isso ele está em paz. Não é comandado pela moral. Na cabeça dele, a função para a qual foi eleito está sendo cumprida à risca. Não enxerga pessoas. Vê pequenos cânceres que com sua ação rebelde querem pôr fim ao sistema metabólico do capital. O mesmo acontece com aqueles que, enquanto os trabalhadores apanhavam em frente ao Congresso nacional, se coqueteavam com champanhe e salgadinhos. O quadro que se desenrolava lá fora era só um borrão, tapado pela fumaça das bombas. A única visão possível era a dos policias, bem armados, protegendo a “bastilha”. E só.

Diante dessa constatação não cabe aos trabalhadores clamar por piedade ou misericórdia. O único que lhes cabe é a luta. A luta renhida. Mas não pode ser uma luta pontual, para resolver a questão da previdência ou a da dívida, como se solucionado esses pequenos pontos, a vida pudesse seguir seu curso em direção ao paraíso. Isso não vai acontecer. Ainda que o sistema – em temos de crescimento – possa conceder um ou outro ganho aos trabalhadores, seus hábitos alimentares não mudam. Segue se alimentando da mais valia dos trabalhadores. Não pode viver sem isso. É como o vampiro que diante da moça assustada, dá um suspiro de pena, mas imediatamente finca-lhe os dentes. Não pode existir se sentir compaixão.

Cabe, portanto, desmontar esse “sistema metabólico do capital”. Avançar para uma forma de organizar a sociedade na qual as aspirações legítimas das pessoas por vida plena, digna e de riquezas repartidas conforme as necessidades, sejam levas em consideração em vez dos imperativos fetichistas da ordem. Enquanto existir o modo capitalista de produção, essas aspirações não terão lugar. Logo, é tempo de decidir. Não que as lutas pontuais não devam ser travadas. Isso não só é justo como necessário. Mas, elas precisam avançar para a destruição desse sistema que nos suga todo o sangue e a alegria de viver.

Ninguém entre nós que tenha começado a trabalhar aos quatro, cinco anos, cortando cana, carregando pedra, amassando massa quer trabalhar até os 100 anos. Esses desejos só sentem aqueles que não produzem riquezas, os que se refestelam em salas acarpetadas com ar-condicionado. Aos trabalhadores o que lhes cabe é a rebelião, completa e total, na construção de outra forma de ditadura, que não essa que vivemos, do capital sobre as gentes, mas a dos trabalhadores sobre a burguesia parasita. Para, enfim, chegarmos a tão sonhada estação na qual não haverá mais estado. Só assim desmontaremos o tripé que sustenta a riqueza do 1% da humanidade que hoje comanda a vida dos 99% restantes, sugando-lhe todo o sangue.

Longo caminho, é fato. Mas que precisamos começar a trilhar. Ou isso, ou o eterno retorno da morte.