sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Governo gaúcho ataca comunicação pública



O Rio Grande do Sul é o estado que tem hoje, proporcionalmente, a maior dívida pública do país. Ela supera em mais de duas vezes a receita. Passa dos 50 bilhões enquanto a arrecadação chega a pouco mais de 20 bilhões. A dívida com a União ultrapassa os 40 bilhões, 98% fruto de um refinanciamento de títulos mobiliários feito em 1998, no governo de Antônio Britto (PMDB). Outros passivos da dívida são déficits previdenciários, precatórios e empréstimos internacionais (perto de quatro bilhões). Outra pequena parte é composta de empréstimos internacionais.

Observando as reportagens de jornais gaúchos sobre o que o atual governador chama de “calamidade financeira” a impressão que dá é de que a dívida apareceu de paraquedas no colo de Ivo Sartori. O máximo que se faz é colocar a culpa nos governos passados (principalmente os do PT), como é normal suceder. Mas, indo mais fundo nas pesquisas surgem as informações do período da ditadura militar, durante o chamado “milagre econômico”, quando os governadores biônicos emitiam Letras do Tesouro, pagando juros escorchantes, para fazer andar as grandes obras estruturais típicas do regime. É quando a dívida vai adquirindo as cores estratosféricas.

Com as sucessivas crises inflacionárias dos anos 80 o estado já não conseguia resgatar as letras emitidas e os juros foram comendo o orçamento. Além disso, no final da ditadura novos títulos foram emitidos para poder garantir que as eleições fossem vencidas por pessoas amigas. E foi o que sucedeu. Com a grande crise do final dos anos 80 e os planos de ajuste federal a dívida mais uma vez foi às alturas. O Plano Real, que mudou a moeda, quadruplicou os valores devidos, fazendo com que a dívida passasse a índices absurdos. Foi aí que Antônio Britto, então governador, afinado com o governo federal, refinanciou tudo (com novas taxas de juros), ganhando um fôlego para algo que obviamente iria estourar no futuro.

E assim, sucessivamente, os governos que se seguiram foram administrando a dívida existente e contraindo outras, já que o estado precisava andar. “Até aí morreu neves”, como diz o velho ditado. Essa é a história de todas as dívidas, seja dos estados ou mesmo do país. O que não se consegue saber é em quê exatamente todo esse dinheiro foi gasto e se os contratos firmados à época tinham legitimidade. Se considerarmos que o maior montante da dívida foi contraído no período da ditadura, por si só já seria ilegítima, como bem aponta o historiador Alejandro Olmos, um dos auditores da dívida do Equador e especialista na dívida argentina. Um governo de exceção fazendo empréstimos sem que o povo soubesse as regras do negócio ou como tudo foi gasto torna o processo sem legitimidade. E se forem feitas as contas sobre o tanto de recursos que já foram pagos em juros ilegais – estratosféricos – certamente essa dívida já foi totalmente quitada. Mas, para isso, seria necessário fazer uma auditoria minuciosa. O Equador fez isso e descobriu que 70% dos valores eram ilegítimos e ilegais. É de fundamental importância para os gaúchos conhecer o conteúdo e regras dos contratos. Aí se escondem as armadilhas.

Quem paga a conta

Historicamente quem paga a conta dos excessos dos governos são sempre os mesmos: os trabalhadores. Quando as coisas apertam e os juros comem todo o orçamento surgem os velhos bordões; “estamos falidos”, “precisamos apertar os cintos” “é necessário um ajuste fiscal”, “tem que enxugar a máquina pública”. Logo em seguida vêm os cortes nos serviços públicos e em setores do estado que são minúsculos e que não representam quase nada no todo da dívida.
Agora, no Rio Grande do Sul, diante da quase impossibilidade de mexer no orçamento, pouco menos de 2% está destinado aos investimentos, o governador, que é do partido do atual presidente (PMDB), decidiu aplicar a velha receita de cortar nos serviços à população em vez de enfrentar de verdade a questão da dívida. Afinal, é bem mais fácil enfrentar os trabalhadores – que estão sob seu comendo – que enfrentar os bancos.  

No pronunciamento que fez essa semana (21) Ivo Sartori (PMDB) anunciou não apenas o estado de calamidade financeira do estado como também um pacote de medidas que, segundo ele, vai estancar a crise. No conteúdo do pacotaço está a extinção de 11 órgãos ligados ao executivo, a redução de secretarias, de 20 para 17 e a demissão de mais de mil trabalhadores entre comissionados e efetivos. Segundo ele, isso vai garantir uma economia de 146 milhões ao ano, o que, no computo geral de uma dívida de bilhões nada mais é do que uma migalha.  Por outro lado, para o setor privado isso é um grande presente, porque abre espaço para que possa se expandir onde antes era o estado quem dominava. Como adverte o economista Maicon Cláudio da Silva, do IELA, “quando o estado fecha estatais ou espaços públicos encolhe os espaços público e joga para o capital fazer a sua festa. Fechar a TV e a rádio publica significa dar mais poder ao setor privado”. 

É fato que o estado rio-grandense vem sistematicamente gastando muito mais do que arrecada, bem como mantém uma folha de pagamento que chega a consumir quase 60% da receita, mas também é de conhecimento público que alguns gastos – como os da publicidade e propaganda, por exemplo – são exagerados numa situação de crise. Informações nos jornais do estado dão conta de que para criar um consenso na população da necessidade de “cortar na carne”, o governo encheu os bolsos do oligopólio midiático (RBS), gastando 3,5 milhões, de março até agora. Ou seja, investiu dinheiro público na mídia comercial, para convencer as gentes de que é preciso acabar com as empresas públicas que dão “prejuízo”.

Não por acaso uma dessas empresas é a Fundação Piratini – que garante a comunicação pública no estado através da TV Educativa e da Rádio Cultura. Essa fundação é uma conquista histórica do povo gaúcho e desde o ano de 1974 garante uma comunicação de qualidade no campo da informação, da cultura e da arte.

O fechamento dessa fundação levantou em rebelião a classe artística, jornalistas e população em geral que entende a importância de uma comunicação pública, fora do contexto comercial, que não vê a informação, a arte e a cultura como uma mercadoria. Poucos estados do Brasil podem se orgulhar de ter um espaço de comunicação pública, controlado pela sociedade civil. Durante todos esses anos a fundação caminhou entre os seguidos governos, sempre garantindo espaço para o debate de todos os temas candentes do estado, para os artistas, o cinema, enfim, a vida que vive e se expressa no Rio Grande. A opção por fechar esse espaço de comunicação é uma jogada que fortalece cada vez mais o oligopólio midiático e torna toda a vida cultural do estado refém da lógica da mercadoria. 

Segundo levantamentos feitos pelo jornalista Marco Weissheimer, publicado no jornal Sul21, “a Secretaria Estadual de Comunicação gastou este ano, até o mês de novembro, R$ 6.237.444,26 em publicidade institucional. No mesmo período, a Assembleia Legislativa gastou R$ 5.723.906,18 em publicidade institucional. Enquanto isso, políticas como a qualificação de assentamentos receberam apenas R$ 372.801,60, em 2016. Já a qualificação dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura recebeu R$ 156.760,92 e a qualificação dos recursos humanos na administração recebeu apenas R$ 10.350,52”. Ele mostra também que só o jornal Zero Hora (da RBS) recebeu mais recursos que a TVE, a Rádio Cultura e o setor de recursos humanos da fundação juntos. Ou seja, isso evidencia uma opção deliberada pelas empresas privadas em detrimento da pública. E, quem perde com isso é a população que fica cada vez mais exposta a um pensamento único, produtor de mais-valia ideológica.

A decisão de Ivo Sartori não surpreende já que vivemos num tempo em que a comunicação é um dos commodities mais importantes no mundo. Com a informação domesticada os donos do capital conseguem inventar um futuro. Eles lançam “verdades” que, incorporadas como tal no presente imediato, tornarão o futuro tal qual eles querem que seja. Assim, é a partir da informação que o sistema capitalista de produção consegue criar mais um momento de expansão do capital. E, para isso, a comunicação precisa ser privada. Não pode estar controlada pela sociedade. Logo, aproveitar a dita “calamidade” para destruir justamente a comunicação pública, é um passo natural para qualquer um que esteja aliado aos interesses da classe dominante.

Importante ressaltar que o estado que hoje temos não é mais o velho estado liberal burguês, amparado num pacto social, com algumas garantias para os de baixo. Esse estado que surgiu com as repúblicas está morto e enterrado. O que temos na atualidade são empresas travestidas de estado, cujo objetivo é facilitar para a burguesia a gestão da expansão cada vez maior do capital. Não é sem razão que estamos vendo, sistematicamente, os presidentes dos países, os governadores de estados e prefeitos, serem nada mais do que “gestores”, gerentes, capitães do mato. Elegem-se inclusive com essa consigna. Vejam figuras como Trump, nos Estados Unidos, João Dória, em São Paulo ou Marcelo Crivela, no Rio de Janeiro. São incensados por sua capacidade de esgrimir os problemas sociais, resolvendo as questões sempre do ponto de vista fiscal, financeiro ou de gestão. Na verdade, esses governantes - logo, logo - perderão até o nome de presidentes, governadores e prefeitos e serão chamados de CEO ( a sigla em inglês para chefe executivo). Por exemplo, Michel Temer é o CEO da empresa Brasil, assim como Sartori é hoje o CEO da empresa Rio Grande do Sul. Meros gerentes do capital.

Não se enganem, portanto, com o discurso de que o estado está falido. A tática envolve, primeiro, criar um consenso via mídia privada, e depois aplicar o bom e velho chicote no lombo dos trabalhadores, afinal são eles, e só eles, os que podem produzir valor (a riqueza material). Com isso, o governo fica autorizado a aplicar medidas amargas como o desemprego e o sucateamento dos serviços públicos.  Tudo isso para seguir pagando uma dívida que – com certeza - já foi paga, com o sacrifício de todos os gaúchos e gaúchas. Mas, para o capital, as pessoas são mero detalhe. Não importa quantos tenham de morrer, quantos pais de família precisem ser destruídos, quanta dor e sofrimento sejam causados nos trabalhadores. O que importa mesmo é equilibrar as contas, permitindo que os juros da dívida sigam sendo pagos.

Há um dado no caso gaúcho que é a folha de pagamento dos trabalhadores. Segundo o governo há que demitir, pois a folha consome bem mais do que permite a lei de responsabilidade fiscal, chegando a quase 60% das receitas. Mas, se esses trabalhadores são aqueles que permitem que os serviços públicos sejam oferecidos à população com qualidade eles não são um gasto, são um investimento. Claro que isso na perspectiva de quem está se importando com as gentes. O que não é o caso. Os estados-empresas só tem uma preocupação: cuidar para que os bancos sigam comendo sua odiosa ração, constituída da força de trabalho dos trabalhadores. Para isso é preciso jogar mais gente no desemprego, para baratear a força de trabalho e mantem os trabalhadores sob a ameaça constante da fome e da miséria.

É por isso que a Fundação Piratini está entre as vítimas. Porque ela tem alcance no estado, ela é pública e ela pode ser uma “rugosidade” na pretendida manufatura da opinião pública. Como ela possibilita o espaço para as vozes dos movimentos, dos artistas, dos intelectuais, pode ser um grande entrave para o projeto de sistemática dominação do sistema capitalista de produção.

Nesse sentido, é fundamental a resistência do povo gaúcho contra o desmonte das empresas públicas. Elas são o pouco que resta da velha lógica da “res pública”, o pouco que ainda não foi sequestrado pelos bancos e pelo centro do poder. Assim, a batalha pela manutenção da TVE e da Rádio Cultura, não é uma batalha qualquer. É a trincheira estratégica que pode colocar barreira ao projeto dominante. Porto Alegre, onde fica a sede dessas empresas públicas, tem nas mãos o futuro do Rio Grande. Vencer a batalha da comunicação sobre a concepção de estado é praticamente começar a vencer a guerra contra o capital.

É tempo de os trabalhadores organizados pararem a avançada do estado/bancário/empresa. Se a reforma de Sartori passar, abre a porteira para a tropa toda. Assim que os gaúchos e gaúchas de todas as querências estão com essa tarefa histórica para cumprir.

Essa luta é grande, mas não é impossível. Estamos juntos!



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A universidade necessária



A Universidade Federal de Santa Catarina está em processo de luta. Há uma greve dos técnicos-administrativos, vários Centros estão ocupados e os professores decidiram acampar em frente à reitoria para apoiar o movimento dos estudantes e realizar também a sua própria luta contra a PEC da morte. Todos os que estão envolvidos com as ocupações sabem muito bem que só a luta mesmo pode mudar as coisas, já que as instituições legislativas estão ocupadas por pessoas que representam os interesses de grupos econômicos. 

No Centro Socioeconômico a batalha está mais dura. A ocupação, iniciada pelos alunos do Curso de Relações Internacionais, apesar de não estar impedindo as aulas, tem sido violentamente atacada por um pequeno grupo de alunos contrários ao movimento. Por duas vezes esses alunos provocaram tumultos, inclusive agredindo estudantes que nem estão na ocupação. 

Por conta das agressões a direção do centro decidiu suspender as aulas na segunda e na terça-feira, justamente para garantir a segurança dos ocupantes. Segundo nota divulgada pela direção, já estão sendo feitas as diligências para identificar os agressores, e que medidas administrativas serão tomadas. 

Agora pela manhã, o centro foi reaberto e as aulas estão acontecendo normalmente. O ambiente ainda está tenso porque na segunda-feira, mais uma vez, um aluno tentou desobstruir a entrada referindo-se aos ocupantes com palavras agressivas e ameaçando mais violência caso as aulas não fossem retomadas.

Gentilmente, os estudantes da ocupação informaram ao estudante que as aulas não estão paradas por causa deles, e sim por conta das agressões que outros estudantes, contrários à ocupação, realizaram. Ainda assim, percebe-se que não há desejo de diálogo por parte dos agressores. Tudo o que querem é tumultuar. Insistem em defender o seu direito de ir e vir, mas não querem saber de defender o direito dos outros alunos à livre manifestação. Muito claramente, esses jovens defendem a democracia que lhes interessa. 

A segurança do campus está presente no CSE e segundo o coordenador, está atenta para garantir a segurança dos estudantes. 

Ontem aconteceu uma reunião entre os estudantes e o reitor sobre uma possível desocupação em função da realização do vestibular. Mais de mil alunos realizarão a prova no CSE e isso não acontecerá caso se mantenha ocupado. Os estudantes deverão discutir o tema.

Na parte da manhã, o vice-diretor do CSE, Rolf Hermann Erdmann circulou pelo prédio onde são realizadas as aulas e constatou que muitos professores não vieram. Alunos que exigiram aulas estavam fora das salas, sem os professores. Poucas salas estavam ocupadas com aula normal.

A luta segue. Hoje a partir das 12h e 30min as três categorias devem realizar uma assembleia para discutir o processo. 


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Os meios alternativos no Brasil



Foto: Jeane Adre

Conferência proferida no 22° Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação

Antes de falar dos meios alternativos – que eu prefiro tratar de independentes, comunitários  ou populares -  é preciso pontuar alguns elementos referente aos meios de comunicação que dispomos na chamada mídia corporativa ou comercial. Isso é importante para entendermos a ideia de alternativa. Seríamos nós uma alternativa a quê?

Do ponto de vista do sistema capitalista que rege o mundo nós estamos colocados na periferia. Somos um país dependente e subdesenvolvido. A outra face de uma moeda, na qual  para que um seja rico e pungente, outro tem de ser explorado até o âmago. Fazemos parte dos explorados. Que isso fique claro.

Essa mídia corporativa, tal como a conhecemos é visceralmente ligada ao capital. Tanto que o primeiro jornal diário do mundo nasceu em 1650, na Alemanha, nos albores desse então novo modo de organizar a vida, espalhando-se a ideia depois para a França, Inglaterra e demais países da Europa. Assim, o que antes eram folhas literárias e políticas passaram a ser jornais diários que misturavam as notícias com o anúncio das mercadorias. Era necessário dar notícias desse mundo novo que emergia dos burgos.   

Do final do século 18, pelo século 19 afora até a primeira grande guerra no século XX os jornais acompanharam a lógica liberal, então hegemônica. Eram empresas privadas, com ligações políticas com o poder, que buscavam potencializar – com as notícias  - a venda de mercadorias. O poder instituído já sabia da importância estratégica de formar opinião pública, por isso os jornais eram armas potentes da classe dominante.

Com o final da primeira grande guerra e a ascensão dos Estados Unidos como grande potência mundial, começou uma mudança  no processo informativo. Já não era suficiente só anunciar produtos, havia que usar os veículos para formar um consenso sobre como ser no mundo. Havia acontecido também a revolução russa em 1917, e ela colocava uma novidade no mundo: a proposta socialista se fazendo corpo. Mais um motivo para a comunicação mudar. 

É nesse período, de 1918 a 1950 que começam a tomar corpo as teorias de comunicação baseadas na persuasão. Usava-se dos recursos da ciência para buscar formas de enredar as gentes, fazendo-as crer que o “mundo livre” do capitalismo era o melhor dos mundos. O rádio, iniciando sua trajetória pelas ondas do ar em 1918, passa a ser um importante meio de distribuição desse consenso. O cinema, igualmente, torna-se uma usina ideológica, principalmente dos EUA, e os meios em geral – que eram unicamente privados – passam a ficar bem mais abertamente ligados aos Estados. Afinal, é ponto pacífico que os estados nacionais são os espaços que organizam as burguesias locais ao mesmo tempo em que são por elas dominados. Nascem então as principais teorias de comunicação, dando status de ciência ao processo de persuasão e controle das mentes.

Com a segunda grande guerra e o advento da televisão, esse processo recrudesceu. O novo veículo agora entrava nas casas com áudio e vídeo, aprofundando ainda mais a manufatura do consenso. A tal ponto de até hoje o mundo inteiro saudar o fim da segunda guerra como uma vitória dos EUA, com o famoso desembarque da Normandia, eliminando completamente da história o sacrifício de milhões de russos, que foram os que realmente pararam a máquina de matar de Hitler. O cinema e o jornalismo inventaram outra história. Com a chamada “guerra fria”, depois do fim da segunda grande guerra, o processo ficou ainda mais forte. Alienar as mentes era estratégico e os meios de comunicação de massa – rádio e TV – concessões dos Estados, estavam amarrados nessa missão. 

E assim como era no centro do sistema, também na periferia. As teorias, os veículos e as técnicas de comunicação eram importadas sem qualquer visão crítica. A periferia sempre tentando “progredir” como o centro, sem dar-se conta de que isso era impossível. O único desenvolvimento que os países periféricos podem ter no sistema capitalista é o desenvolvimento do subdesenvolvimento, conforme bem revelou Gunder Frank. 

O conhecido “neoliberalismo”, que é uma fase a mais do processo de acumulação capitalista trouxe para o mundo das comunicações novas tecnologias. O advento da internet, possibilitando interconexão mundial deu a receita mágica: ilusão de democracia e aprofundamento da dominação. A famosa www passou a ser uma correia de transmissão planetária da mesma lógica de fabricação de consenso. Totalmente dominada pelos mesmos grupos que controlam a produção da informação, a “rede” se espalhou dando possibilidades de interação, coisa nunca antes possível. 

A ideia de que, agora, qualquer pessoa é produtora de conteúdo abre um espaço importante de debate. E mais do que nunca é preciso ter bastante claro o que é espaço de opinião e o que é informação de qualidade. No geral, as redes sociais, além de espalharem opiniões, reproduzem as informações que são produzidas pelos mesmos grupos que controlam os meios de massa como rádio, TV, jornais e revistas. 

No campo da vida real, as empresas que controlam servidores e grandes produtores de informação seguem sendo as mesmas, com um elemento novo: a crescente participação das entidades financeiras  - bancos  - no controle acionários dos conglomerados midiáticos. Ou seja, a financeirização da vida não está mais circunscrita à economia clássica. Não basta aos bancos definirem a situação econômica dos países, eles têm de inventá-la também. Isso significa que, com o controle da informação, eles podem produzir um futuro dentro dos seus interesses.

Nesse sentido, a informação produzida pelos grandes meios de comunicação assume a condição de commoditie, vendida num mercado futuro. Torna-se irmã siamesa das matérias primas de base como cereais, minerais, petróleo etc... Os grandes meios fabricam informações que não apenas influenciam no presente, mas também conformam o futuro. Inventam uma realidade vindoura moldada aos seus interesses. Isso é novo e precisa da nossa atenção.

O sítio do jornal espanhol El País, por exemplo, tem 30 milhões de usuários, e metade desses leitores está na América Latina. Hoje, o El País é comandado por uma instituição financeira, tem uma dívida astronômica de três milhões de euros. Uma dívida que não é cobrada porque interessa aos donos do jornal que ele sobreviva, mesmo nessas condições. A dívida é cinco vezes mais o patrimônio do jornal, mas o que vale mesmo para o banco que o domina é a sua capacidade de criar opinião. Eles sabem que um jornal capaz de influenciar tantas pessoas é um investimento par ao futuro. 

Essa financeirização da vida já tinha sido prevista por Marx no seu clássico, o Capital. Agora está aí nos desafiando e invadindo também o campo da informação. O que fazer? Essa é a pergunta abissal!
O espaço internético deu possibilidades para a criação de mídias alternativas, independentes, populares. Mas, a questão que temos de pensar diante desse cenário é: são realmente essas mídias uma alternativa? Têm eficácia na desconstrução da fabricação do consenso? Qual é poder dessa mídia diante da realidade que se nos apresenta?

Se observarmos bem a situação da mídia dita alternativa no Brasil, vamos ver que apesar dos múltiplos veículos hoje possíveis, ela ainda não se configura uma alternativa. Não é de massa. Enquanto a Globo e suas irmãs siamesas chegam a 97% do território nacional, os meios alternativos continuam circulando em guetos, no qual o público é o já cativado, já propenso ao discurso de desconstrução. Poucos espaços alternativos, independentes, populares e comunitários conseguem fugir dessa bolha.

Os meios mais estruturados continuam se concentrando no eixo Rio-São Paulo- Brasília, reproduzindo como sempre o colonialismo interno. É comum o Piauí reproduzir informações produzidas nos meios alternativos paulistas, mas é raro ver esses meios reproduzindo o Piaui. 
O Vito Gianotti passou boa parte de sua vida gritando na montanha, junto com a Claudia Santiago (ambos fundadores do NPC), sobre os veículos sindicais e sua possibilidade concreta de ser uma mídia de massa. Nunca foram levados em consequência. Deram cursos em todo o país, mas não conseguiram quebrar a mediocridade e a falta de entendimento do papel estratégico da comunicação por parte de boa parte dos dirigentes sindicais. 

Do ponto de vista de sustentabilidade os meios alternativos estão sempre na corda bamba, reféns de governos amigos ou de fundações estadunidenses e europeias – em sua absoluta maioria entidades que existem para manter as coisas bem acomodadas. Fundações como a Rockfeller, Kellogs, Ford, a de George Soros e outras, europeias de cunho social democrata, anti-comunistas, são praticamente o governo mundial. Elas ditam as políticas governamentais em seus países de origem e ao financiar grupos comunicativos na periferia do sistema estão nada mais nada menos do que garantindo o controle da informação. Enquanto interessa provocar a “desordem” o dinheiro jorra. A “revolução” promovida pelas mídias alternativas – como vimos no oriente médio, com a mal chamada primavera árabe, vai até certo ponto. Até onde não toca nos interesses do sistema. Então, é ilusão chamar de alternativa uma mídia financiada por esses gangsteres. Os “golpes coloridos” no oriente mostraram claramente o que acontece. 

No Brasil, a televisão ainda é o meio de massa pelo qual a maioria se informa. Como já disse ela chega em 97 dos lares. Não é sem razão que o governo investe nela a maior fatia do bolo publicitário. No governo de Lula e Dilma isso não mudou. Houve um decréscimo na publicidade das revistas e jornais, mas a TV se manteve como maior sugadora de verbas (67%). A novidade do governo petista é que ele passou a investir também na internet (os blogs de jornalistas mais afinados ao projeto e alguns coletivos), ainda assim o investimento nessa comunicação foi irrisório: 8% da verba total. Em 2015 o governo investiu 44 milhões no facebook, enquanto a Globo levou 206 milhões. No campo dos jornais a Folha de São Paulo e o jornal Valor Econômico tiveram crescimento das verbas publicas de publicidade, e na internet, os que mais ganharam foram a UOL, o G1 e o R7. Ou seja, tudo seguiu como sempre. E ainda assim, essas mesmas mídias que sugaram as verbas públicas foram decisivas no golpe. 

O governo brasileiro – na era petista – não pensou a comunicação como uma área estratégica, ou pensou errado, acreditando que as empresas que sempre foram capacho dos governos conservadores se abririam para a proposta petista. Equivocadamente o governo petista não deu espaço para a comunicação alternativa, livre, comunitária e popular. Perdeu a batalha nesse campo e, com isso, abriu passo para a grande derrota final.

A TV Brasil que nasceu para se conectar ao generoso projeto da Telesur, criado por Hugo Chávez, foi outro equívoco. Não se integrou a Telesur, não potencializou a comunicação comunitária e nacional, não abriu o sinal para o país. E apesar dos avanços, com a construção de uma programação crítica, seu alcance sempre foi reduzido. Deveria ter sido uma rede aberta, com acesso para qualquer um que tivesse uma antena torta com um bombril na ponta. 

Agora, com o fim da era PT, um número grande de blogs e coletivos produtores de informação crítica, ou mesmo de informação pura, com um viés classista, estão amargando a falta de recursos para existir. Os parcos 8% que eram divididos aos veículos dito alternativos do eixo Rio-São Paulo-Brasília já não existem mais. O governo Temer vem aumentando exponencialmente as verbas para os veículos de massa, que seguirão fabricando o consenso que o poder quer.

Diante disso, quais os nossos desafios? Como atuar de tal forma que venhamos a ser efetivamente uma alternativa? Não há respostas simples nem possibilidades reais diante da ordem. 

O que podemos fazer, na ordem, é resistir. Com nossos blogs, nossos coletivos, nossas rádios comunitárias. Afinal, se ainda não somos uma alternativa de massa, somos certamente um espaço importantíssimo de organização, inclusive dos movimentos sociais. Os veículos comunitários, livres e populares foram fundamentais na articulação da resistência ao golpe, tem prestado um serviço inestimável na divulgação das ocupações de escolas e universidades, totalmente silenciadas pela mídia comercial. Assim, há que seguir, apesar de todos os obstáculos.

Só que esses não são tempos para resistir apenas. Há que atacar, surpreender, vencer a batalha comunicacional. Porque sem essa vitória sempre estaremos na defensiva, esgrimindo canhões com bala de rolha.

Por isso que o horizonte tem de ser a mudança do estado, a mudança de sistema, o fim do sistema capitalista de produção. Isso tem de estar em cada pequena intenção, cada pequeno texto, cada foto. Mas, nosso protagonismo como produtores de informação tem de estar calcado na universalidade. Para isso serve o jornalismo. As informações estão aí, pulando na internet, nas ruas, nas redes sociais. Mas elas estão pulando sozinhas, isoladas, em bolhas, muito mais desinformando, que formando. 

Nossa função é dar a esse mosaico de informações loucas e saltitantes a dimensão da totalidade. Nós, os jornalistas, conhecemos o segredo, que foi desvendado pelo grande teórico do jornalismo, Adelmo Genro Filho. Ele mostrou como se faz jornalismo é produção de conhecimento, que pode existir sem ser manipulador. Há que estudar Adelmo, compreendê-lo e fazer jornalismo crítico. Temos os recursos humanos e teóricos. Há que usar esse poder.  

domingo, 20 de novembro de 2016

Documento dos meios alternativos

Jornalista Rosângela Bion de Assis lê documento dos meios alternativos na Câmara de Vereadores.

Meios de Comunicação alternativos e populares realizam audiência histórica



Pela primeira vez os meios de comunicação livres, alternativos, independentes, comunitários e populares se juntam para reivindicar do município o compartilhamento das verbas que a administração de Florianópolis gasta com publicidade e propaganda, 100% delas dirigidas aos grandes meios de massa, como os grupos RBS e RIC Record.

Entendendo a comunicação como um direito humano, esses meios independentes entendem que o Estado, seja ele em nível federal, estadual ou municipal, não pode se limitar a financiar grupos que representam apenas um extrato da sociedade, que é o da classe dominante. Como nesses meios as vozes da maioria não se expressam, é necessários que o estado compartilhe as verbas de comunicação também com os veículos populares e comunitários.

Foi a partir desse entendimento que os veículos resolveram unir forças, se encontrar e pensar formas de reivindicar o mesmo direito que os grandes meios têm. Assim, numa discussão puxada pelo Portal Desacato, juntaram-se a Rádio Campeche, Portal Catarinas, TV Floripa, Rede Abraço, o Centro de Estudos de Mídias Alternativas Barão de Itararé, o portal O Barato de Floripa, Coletivo de Jornalismo Maruim  e UFSC à Esquerda. Desse debate nasceu a ideia de uma audiência pública para dialogar com os vereadores sobre a necessidade de uma regulamentação para o uso de verbas da comunicação que contemplasse as mídias alternativas.

A proposta logo foi encampada pelo vereador Lino Peres, que foi quem articulou a audiência. Assim, no dia 17, os representantes de todos esses veículos lá estavam para serem ouvidos pelos vereadores e pela sociedade. O recado foi dado, ainda que apenas o vereador Guilherme Botelho tenha participado, como representante da Comissão de Educação.  Coincidiu que naquele mesmo momento outra reunião sobre o Plano Diretor estivesse acontecendo, o que tirou o quórum da audiência. Mas, mesmo assim, todos os meios fizeram sua fala e ficou acertado ao final que será criado um Grupo de Trabalho dentro da Comissão de Educação para que se construa coletivamente um projeto de lei no qual esteja normatizado o direito dos veículos alternativos, comunitários e populares a receber também verbas do estado na rubrica comunicação.

A importância desse movimento é muito grande na medida em que a cidade de Florianópolis conta hoje com grupos muito bem estruturados de comunicação livre. As novas tecnologias baratearam bastante a produção de informação e as mudanças que vieram com essas tecnologias também proporcionam a possibilidade do crescimento desses novos veículos, comprometidos com a maioria da população, dispostos a oferecer espaço onde as vozes – geralmente silenciadas pela grande mídia – possam se expressar.

É fato que essas mídias ainda não se constituem de fato uma alternativa de comunicação, uma vez que os meios de massa são capazes de chegar ao estado inteiro, no país inteiro, enquanto as mídias comunitárias e populares ainda formam um grupo de alcance reduzido. De qualquer forma, esses espaços tem sido de crucial importância no processo de organização dos movimentos populares uma vez que cumprem a função de informar o que acontece no campo de interesses da maioria. Basta lembrar que toda a articulação contra o golpe foi feita através dos meios alternativos e das redes sociais.

Por isso, cada dia mais é fundamental fortalecer esses veículos, para garantir que a maioria da população tenha, de fato, uma alternativa ao pensamento único e a fabricação do consenso que são elementos basilares dos meios de massa.

Com a criação do GT na Comissão de Educação da Câmara de Vereadores, esses veículos de mídia comunitários e populares acompanharão o processo e se manterão na luta para romper com a assimetria de tratamento na distribuição das verbas. Se os grandes meios de comunicação recebem recursos do bolo estatal, os meios alternativos também  devem receber. Não há argumento para a discriminação.


A luta avança.