sábado, 25 de julho de 2015

Retomada a luta pelo Parque Cultural do Campeche























Fotos: Rubens Lopes

Desde os anos 20 do século passado Florianópolis passou a ser ponto de escala da famosa rota de correio da Aeropostale, uma empresa de aviação francesa que cruzava os continentes com seus audazes pilotos, com a difícil tarefa de comunicar os povos, num tempo em que se levava mais de 13 horas para cruzar o Atlântico. Pois o campo onde pousavam os aviões ficava justamente no Campeche e ali chegou a circular o famoso escritor Antoine de Saint Exupéry, mais conhecido pelos pescadores e comunidade como Zé Perri.

Com as melhorias na tecnologia dos aviões, a rota da Aeropostale mudou e o velho campo de pouso ficou esquecido. Ainda assim, até hoje ele existe - sob a guarda da Aeronáutica - e povoa o mundo simbólico da comunidade ilhoa. As histórias de Zé Perri e a amizade que tinha com o pescador Deca Rafael, as memórias da presença dos demais pilotos franceses, a velha casa onde os aviadores pernoitavam, tudo isso segue vivo na vida de todos. 

Não é sem razão que o movimento comunitário do bairro  vem reivindicando a área desde há anos para a criação de um Parque Cultural. A intenção é não apenas preservar a memória do lugar, que é um espaço simbólico da vida da comunidade, mas fazer dele um lugar de vida plena para todos os que vivem no bairro e na cidade. Reformar o casarão, transformá-lo em museu, criar espaços de lazer, de brincadeira, de jogo, de arte e participação social, tudo isso está consolidado em um projeto que foi construído coletivamente.

O Campeche é um bairro que historicamente desenvolve uma luta renhida pelo Plano Diretor, não só do bairro, mas de toda a cidade. Desde os anos 80 que as forças vivas do lugar se reúnem, discutem, realizam oficinas, planejam e desenham o espaço urbano. Dentro desse debate, o Parque Cultural sempre esteve presente e também foi a partir desse tempo que começou a conversa com a Base Aérea e a União para que o espaço do campo de pouso fosse cedido para a criação do parque. O entendimento de todos era de que aquele lugar deveria ser preservado como patrimônio histórico da cidade e do país, já que faz parte da história da aviação brasileira. 

Lá se vão décadas de batalhas, reuniões, encontros, passeatas, atos públicos, manifestações. E é por conta dessas mobilizações comunitárias que a velha casa dos pilotos segue firme, ainda que usada como sede da intendência. Mas, é preciso restaurá-la e fazer dela um lugar de memória. E é também por causa da luta que o campo ainda está livre das investidas especulativas, mesmo que parque ainda não tenha saído do papel. Assim, a peleia continua. E foi justamente por essa mobilização intensa e ininterrupta da comunidade que uma área de 120 mil metros quadrados foi finalmente tombada como patrimônio histórico. Uma vitória parcial já que, apesar disso, nada avançou no sentido de criar o parque.

Na última semana a comunidade foi informada de que a prefeitura havia feito uma consulta ao patrimônio da União sobre a área visando fazer ali um parque. Isso alertou a todos os que estão nessa luta desde há anos, afinal, já existe um projeto para o parque que foi construído coletivamente nas inúmeras reuniões realizadas no bairro, fruto do desejo comunitário. Assim, as comissões de trabalho que atuavam no processo do parque voltaram a  se reunir e a mobilizar a comunidade. Um grupo começou a trabalhar na readaptação do projeto aos dias atuais, atualizando algumas coisas, readequando outras. E outro grupo passou a investigar junto à prefeitura sobre qual é o projeto que existe para o lugar. 

Nesse sábado, dia 25, as representações da comissão do PACUCA, chamaram uma reunião com a comunidade para discutir a questão. A proposta foi fazer uma caminhada pelo campo para ver como estavam as coisas lá dentro e, de maneira coletiva, decidir sobre os próximos passos.  Mesmo com as fortes chuvas que caíram na véspera a caminhada foi mantida. Durante o recorrido pode-se perceber que o campo está sendo usado para o despejo ilegal de lixo. Em vários pontos há montes de lixo pesado, madeira, lixo orgânico, plásticos. "Isso mostra como os responsáveis pela área são desleixados. Todos os dias tem gente aqui praticando esportes, crianças brincando. Isso é um perigo para a saúde", aponta a médica Eleonora. 

Da mesma forma foi possível ver o quanto a comunidade já se apropriou do lugar como espaço de lazer, mesmo que ali não exista infraestrutura alguma. Há jogo de futebol, famílias brincando com as crianças, prática de aeromodelismo, e toda a sorte de outras brincadeiras. O Campeche, por incrível que pareça, não tem até hoje qualquer espaço para uso comunitário, a não ser a praia. Para os populares e lideranças comunitárias que realizaram a caminhada já está mais do que na hora de se fazer real o Parque Cultural. 

Depois da caminhada pelo campo de pouso, as pessoas se reuniram no pequeno parquinho que fica em frente a Avenida Pequeno Príncipe para deliberar sobre os próximos passos. Ficou acertado que a comissão do PACUCA  vai solicitar uma audiência com o prefeito César Souza Junior para que ele dê a conhecer o projeto que tem para o lugar, e, ao mesmo tempo, a comunidade apresentará o projeto que já tem desenhado. "Nossa intenção é conversar, trabalhar junto. O parque é um sonho acalentado há muitos anos por todos nós e temos tudo desenhado, todas as propostas. O que queremos é, no diálogo, construir uma proposta que seja o mais próximo possível do projeto da comunidade", diz Telma Piacentini, uma das integrantes da comissão.

A outra reivindicação imediata é de limpeza da área. Uma reunião será feita com o intendente do Campeche para que isso já possa ser providenciado, mas o tema também fará parte da conversa com o prefeito.

Como o Parque Cultural do Campeche é um espaço de memória coletiva da cidade, por ser parte da história da aviação brasileira, a luta pela sua efetivação se faz por todas as forças comunitárias de Florianópolis. Por isso, a caminhada contou com a presença daqueles que também lutam pelo Parque das Três Pontas e pelo Parque do Pântano do Sul, bem como de outras pessoas que militam por uma cidade para todos. O processo de luta pela criação do Pacuca recomeçou com força total. Estratégias de discussão comunitária e mobilização foram pensadas e já começam a tomar corpo. A vida pulsa no Campeche outra vez...

Ainda sensibilizados pela caminhada do filme "Desculpe pelo transtorno", de Todd Southgate e Ivan de Sá, que conta a tragédia da destruição do Bar do Chico, os campechianos estão dispostos a travar todas as batalhas para que esse patrimônio histórico que é o campo de pouso não tenha o mesmo destino do bar, também histórico espaço comunitário, patrimônio imaterial da cultura local. O Bar do Chico vive agora apenas na memória, mas o Pacuca haverá de existir para o prazer de todos os corpos. 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Os povos "chicos"



Sim, eu tive a sorte de nascer na fronteira. Argentina e Uruguai, também mátrias. Desde bebezinho ouvindo a língua espanhola e as histórias da gente da Banda Oriental. Não podia ser outra coisa que uma mulher nascida nas terras brasileiras, mas eivada de latinidade. E foi por essa minha especificidade regional que conheci , muito cedo, a poesia de Hamlet Lima Quintana, um argentino fabuloso que fez parte do chamado movimento Nuevo Cancionero, vigoroso criadouro de poesia no campo da música.

Dentro do meu coração eu tenho a mais absoluta certeza de que foi uma de suas canções que me empurrou para ser quem eu sou. Era uma dessas cálidas noites da fronteira, numa primavera fugaz. Lá estava eu, sozinha, de olhos grudados na LT 85, Canal 12, Posadas, uma emissora argentina cujo sinal pegava muito bem em São Borja, quando escutei, na voz da sempre emocionante Mercedes Sosa, uma das mais incríveis canções de Lima Quintana: Los pueblos chicos de gesto antíguo.

Lembro como se fora hoje o impacto daquela canção sobre mim. Naqueles dias já tinha um especial fascínio pelos povos antigos dessa estonteante América do Sul, germinado pelas leituras que eu vorazmente fazia nos livros comprados, aos borbotões, por meu pai. Então, aquela poesia ofereceu o caminho: "allá me voy a vivir"... Já não poderia haver dúvidas.

Quintero foi um desses poetas que buscou fazer música militante, capaz de ser entendida pelas gentes na sua mais intensa profundidade. Mercedes deu vida a muitas delas. Essa, particularmente, fala dos povoados pequenos onde as pessoas ainda são capazes de gestos poéticos de profunda ternura, gente que se dá as mãos para vencer as dificuldades e as batalhas cotidianas. Essa coisa típica dos "pueblos chicos", onde todos se conhecem e buscam a mesma direção. Hoje, vivendo no Campeche, sei o que é isso. E caminhando por essa Abya Ayala (América Latina), essa terra feita de esplendor, sinto que pude realizar o que, naqueles dias, era um sonho: "Me iré por aquel camino que lleva al pueblo, que crece entre la ternura que da el maíz. Me iré con la lucha a cuestas y el alma abierta, allá me voy a vivir. Con toda la fuerza antigua de mi raíz".

Não foi sem razão que andei por aí, buscando as histórias velhas, dos povos antigos, dos nosso esquecidos heróis e heroínas do cotidiano, esses que verdadeiramente fazem a história. Tupac Catari, Bartolina Sisa, Zumbi, Dandara, Micaela, Juana Azurduy, Manoelita Saenz, Tupac Amaru, Gauicaipuru, Vaimaca, Sepé, tantos outros, tantas outras.

E hoje, quando escuto aquela voz potente de La Negra, ainda transbordo de pura emoção. Porque um dia encontrei essa poesia no caminho e fiz dela a razão de viver.

"Me gustan los pueblos chicos de gesto antiguo
Son gente que da la mano y saluda al sol
Que sabe ganar la vida y ganar la muerte
Allá me voy a vivir
Con gente que planta un árbol y enciende amor.

Me iré por aquel camino que lleva al pueblo
Que crece entre la ternura que da el maíz
Me iré con la lucha a cuestas y el alma abierta
Allá me voy a vivir
Con toda la fuerza antigua de mi raíz.

La gente estará cantando la vida nueva
Que esta creciendo en los pueblos chicos
Los pueblos de gesto antiguo
Con gente que da la mano.

Me voy a cantar con ellos hasta que el alba
Rocié el campo de aroma puro.
Sencillo como la lluvia
Profundo como la paz.

Los pueblos de gesto antiguo se dan la mano
Los pueblos se dan la mano para vencer
Los pueblos que van creciendo como los vientos
Allá me voy a vivir

En ese pueblo tan chico que va a nacer".


terça-feira, 21 de julho de 2015

As greves do funcionalismo público













Reunião de negociação no MPOG


Várias categorias do serviço público federal estão em greve, na eterna luta por reposição das perdas, já que aumento mesmo de salário é coisa bem difícil de se conseguir. E sempre é bom lembrar que os trabalhadores públicos não têm data base, logo, não existe a obrigatoriedade, por parte do governo, em discutir anualmente as perdas. Isso sempre se dá por conta de luta. Não é sem razão, portanto, que as greves sejam uma constante. Tivéssemos um governo capaz de definir uma data base, não haveria necessidade das greves a cada ano.

Para quem fica sem os serviços, no caso os da previdência, da educação, da saúde, da justiça etc... sempre é mais fácil culpar os trabalhadores, já bastante estigmatizados pela mídia comercial. Poucos são aqueles que compreendem a dura batalha que os servidores públicos precisam travar durante toda a sua vida laboral para não ficar com os salários achatados. 

Segundo dados da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), ao longo da década que vai de 2002 a 2012, finalmente houve um aumento no número de servidores, que havia caído extraordinariamente durante o governo de FHC, o qual praticamente não realizou novos concursos. No campo do executivo - administração direta - passou de 775 mil em 2002 a 984 mil em 2012. Isso significa que os concursos públicos voltaram ao cenário. O setor que mais cresceu foi o do Ministério Público da União. O Legislativo e o Judiciário cresceram 26 e 28% respectivamente, sendo que o Judiciário apresenta um número bem maior de trabalhadores: 104.971, contra 25.828 do Legislativo.  Setores mais debilitados como a previdência, educação e saúde, tiveram novos concursos, mas ainda tem um grande déficit. 
Apesar de os números parecerem gigantes, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em comparação com outros países ainda é baixo. Por exemplo, o Brasil tem menos servidores, como proporção do total de trabalhadores ocupados, que todos os parceiros do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Austrália, Dinamarca, Finlândia e Suécia. Considerada a população brasileira em torno de 180 milhões de habitantes, existem cinco funcionários públicos para cada mil habitantes, uma dinâmica que não mudou muito nos últimos 20 anos. 

Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, que é a locomotiva do mundo capitalista e tem a tradição de ser extremamente privatista, o percentual de trabalhadores em cargos públicos chega a 15% enquanto no Brasil o total é de 12%, contando com todas as esferas, federal, estadual e municipal. Na Dinamarca, considerada o mais efetivo exemplo de um país que deu certo, o percentual de trabalhadores públicos é de 39,2%, tendo um serviço público invejável. Logo, pode-se perceber que a relação entre o número de servidores e a qualidade do serviço tem importância fundamental.

Ainda assim, quando vem uma greve, é comum ouvirmos na televisão sobre o tamanho excessivo da máquina estatal e toda a ladainha de lamúrias governamentais quanto ao elevado custo do funcionalismo. Pouca relação se faz com o pagamento dos serviços da dívida pública, por exemplo, que consome mais de 47% do orçamento total da União. Assim, o estado prioriza o pagamento de uma dívida - que nunca foi auditada e que pode ser ilegal - em detrimento da melhoria da qualidade do atendimento das demandas da população no que diz respeito ao serviço público.

Durante os anos de "espetáculo do crescimento" o governo - comandado pela coligação hegemônica PT/PMDB - efetivamente aumentou o número de funcionários e conseguiu domesticar boa parte do movimento sindical para a aceitação de recomposições rebaixadas e alguns acertos internos em cada carreira. No caso específico dos trabalhadores da educação - técnicos e docentes  - houve ganhos significativos para alguns cargos enquanto outros ficaram para trás. A tática de apostar na qualificação como um degrau bem mais seguro do que uma greve para garantir aumento salarial surtiu efeito e uma boa parte dos trabalhadores atirou-se a mestrados e doutorados. Essa educação formal provocou aumentos que foram de 20 a 75%, muito mais expressivos do que os 2% - em média - conseguidos em meses e meses de luta. Ocorre que a opção da formação não é para todos e isso acaba criando uma seleta casta dentro da categoria, o que provoca mais divisão interna.

Esse ano, a crise batendo no pescoço levou os trabalhadores públicos a uma luta mais ou menos unificada. Ainda que as categorias não tenham criado um comando único, as greves foram sendo aprovadas e isso levou o governo federal a criar mesas de negociação envolvendo todas elas, o que, naturalmente, deu mais força ao movimento como um todo. 
Essa forte mobilização levou o governo a chamar uma rodada de negociação na qual apresentou sua proposta, considerada insuficiente por todos. Uma vez que a reivindicação financeira era de 27,3% de reajuste já, a proposta governamental de 21,3% divididos em quatro anos - que não garante nem a reposição da perda por inflação - foi recusada pelas bases.

Na semana que passou o governo chamou nova reunião via Ministério do Planejamento, que é quem maneja a caneta, buscando avançar em alguns pontos das pautas específicas, mas mantendo a proposta do reajuste de 21,3% dividido em quatro anos, ainda que acenando com a possibilidade de novas conversas em 2017, caso a inflação dispare. O avanço veio na proposta de reajuste dos auxílios, que, no final das contas, favorece - e pouco -  mais os trabalhadores da ativa. No auxílio saúde, a proposta ficou em 22,8% de reajuste, e no auxílio-creche o reajuste seria de 317,3%. Essa última toca particularmente os novos concursados, na maioria jovens, que tem filhos pequenos. Também o auxílio alimentação seria reajustado. 

Essa nova proposta não agradou os aposentados que, mais uma vez ficam no prejuízo, uma vez que não recebem os auxílio, exceto o do plano de saúde. Por outro lado, sabe-se muito bem que auxílio não é salário e tão logo o trabalhador se aposente, lá se vão os caraminguás. 

Agora, as categorias em greve devem realizar novas rodadas de discussão para avaliação dessa proposta que ainda aparece como muito ruim, pois efetivamente não garante sequer a reposição das perdas. Na divisão do reajuste proposto o índice pago em 2016 seria de 5%, enquanto as previsões de inflação já apontam números como 9%. Assim, os trabalhadores já sairiam da mesa de negociação perdendo. 

Resta agora ver como está a correlação de forças. Ou as greves se fortalecem e garantem avanços significativos ou o governo vence, arrochando os trabalhadores por mais quatro anos.

domingo, 19 de julho de 2015

As redes sociais e seus demônios



Dias há que não consigo passear pelas postagens de alguns seres humanos que compartilham informações e notícias comigo. Muitos desses seres são pessoas boníssimas, que fazem coisas lindas, que gostam dos animais, que conhecem livros fundamentais, que amam seus filhos. Mas, por algum motivo, são também criaturas abjetas, com ideias estranhas, desumanas, fascistas.

Sim, bem sei. Somos seres de luz e sombra e a nenhum de nós escapa essa dicotomia. Ainda que não seja comum, vez ou outra assoma algum pensamento ruim, uma maldade. Mas, tratamos de superar. E, no geral, quando isso acontece nos envergonhamos de tal maneira que jamais pensaríamos em verbalizar publicamente esses sentimentos. E, depois, nos consumimos em remorsos por dias.

Então, me pergunto, como algumas pessoas podem compartilhar coisas tão horríveis, publicizando sentimentos que nos fariam corar se ousássemos sentir? Outro dia vi um desses que mostrava uma foto de vários negros haitianos e, embaixo, o texto gritava: Por que essas pessoas chegam aqui sozinhas? Onde estão suas famílias? Seus filhos? E aventava a possibilidade de eles estarem aqui para roubarem empregos e coisa assim. Enregelei ao ver tamanha maldade.

Entendo que muitas pessoas não conhecem nada do Haiti. Não sabem que foi o primeiro e único estado no mundo no qual uma rebelião de escravos garantiu a liberdade. Que teve grandes líderes, os que, inclusive, ajudaram de maneira fundamental a acontecer a libertação de toda a América Latina da mão dos espanhóis. Não sabem que, desde então, os haitianos vem pagando muito caro por isso, com ditaduras sanguinárias e agora com uma ocupação interminável.

Talvez também esses seres não saibam que todas essas criaturas vindas do Haiti sem família, sem filhos, buscam desesperadamente garantir a vida dos seus parentes, enviando daqui dinheiro. Buscam eles mesmos sobreviver ao terror cotidiano da pequena ilha onde estavam largados para morrer.

Mas, creio que quem cria essas postagens não é um ignorante, como muitos que as reproduzem. Faz isso por que realmente não suporta negros, nem pobres, nem dividir aquilo que pensa ser unicamente seu, no caso o território brasileiro. E creio que disseminar o ódio e a intolerância seja a forma que encontra para manter seus pequenos privilégios. Quanta maldade podem provocar.

Penso ainda que é por conta desse tipo de pensamento que vimos gente linchando gente, que vimos gente maltratando animais, gente pedindo cadeia para crianças, gente que não percebe que um menino que mata é um menino que já foi morto na sua meninice. Gente que não consegue fazer as ligações sobre a realidade.

"Leva pra casa os bandidos", nos dizem. E não percebem que são eles mesmos os que os criam com a intolerância e com o ódio. Por isso dias há em que eu não quero fazer parte dessa rede de absurdos e dores. Falta-me força e eu desabo, buscando amparo na solidão. Sei que a fuga não é o melhor caminho, mas, vez ou outra é necessária, até para que possamos nos fortalecer.

Diz Rubem Alves num de seus textos que todos nós temos dentro da gente uma legião de demônios, com os dentes arreganhados, prontos para sair o tempo todo, provocando desastres. A batalha diária é essa: segurar as rédeas desses monstrinhos e fazer com que se deitem, quietos. E o que vemos nas redes é que essas legiões não estão mais sendo domadas...

Olhando para tudo isso, assomam os meus, prontos para saltar. Não bastassem todas as lutas, mais essa...