segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mónica Ertl, “a mulher que vingou Che Guevara”




Fonte: Contrainjerencia

Jurgen Schreiber é um jornalista alemão, de reconhecido prestígio como repórter investigativo, que publicou recentemente a biografia de uma compatriota sua, Mónika Ertl. Quem vê o título do livro “A mulher que vingou Che Guevara” pode até pensar que é uma obra de ficção, mas o relato narra uma história da vida real, ainda que desconhecida. 

Mônica é filha de um dos grandes propagandistas do nazismo, Hans Ertl, que por muito tempo foi conhecido como o “fotógrafo de Hitler”. Ela nasceu em Munique, em 1937, mas nos anos 50 foi viver na Bolívia, para onde seu pai havia fugido depois da queda do Terceiro Reich. Criou-se num círculo fechado de racismo e violência, no qual brilhavam o seu pai e outro sinistro personagem a quem ela chamava de “tio”, e que não era outro senão Klaus Barbie, “o carniceiro de Lyon”.

Essa jovem e bela alemã cresceu nesse ambiente, dedicando-se a mesma profissão do seu pai: era fotógrafa e camarógrafa. Mas, tudo mudou no final dos anos 60, quando tomou conhecimento da proposta de Che Guevara naquele país, e acompanhou todo o episódio de sua morte na selva boliviana. O assassinato do guerrilheiro argentino provocou um rompimento de Mônica com suas raízes e num giro de 360 graus ela acabou militando nas fileiras do Exército de Libertação Nacional, o grupo guerrilheiro formado pelo próprio Che. Depois de viver na Alemanha ela acabou voltando para La Paz onde conheceu e se apaixonou por Osvaldo Peredo, irmão do então líder do ELN, que também era militante.

Pois é ela que, em 1971, cruza o Atlântico, volta para a terra natal, Alemanha, e lá, na cidade de Hamburgo, executa pessoalmente, com três tiros de uma pistola Colt 38, o cônsul boliviano daquela cidade. E quem era esse cônsul? Nada menos do que o coronel Roberto Quintanilla, o homem responsável pelo ultraje final a Guevara: a amputação de suas mão. Ela havia percorrido mais de 20 mil quilômetros, desde a cordilheira dos andes até Hamburgo para justiçar o militar. 

Assim narra Jurgen, aquele dia especial. “Hamburgo, Alemanha, eram nove e quarenta da manhã do dia primeiro de abril de 1971. Uma bela e elegante mulher, de profundos olhos cor de céu entra no escritório do cônsul da Bolívia e espera pacientemente ser atendida. Enquanto aguarda, olha indiferente os quadros que adornam as paredes. Roberto Quintanilla, cônsul boliviano, vestido elegantemente com um traje de lã escuro, aparece e a cumprimenta, bastante impactado pela beleza da mulher que diz ser australiana e que há poucos dias havia pedido uma entrevista. Por um instante fugaz, ambos se encontram frente a frente. A vingança então aparece encarnada no rosto feminino e atrativo. A mulher, de beleza exuberante, o olha fixamente nos olhos e sem dizer palavra extrai um revólver e dispara três vezes. Não houve resistência, nem luta. Os impactos deram na parede. Na fuga, ela deixou para trás a peruca, o Colt 38 e um pedaço de papel no qual se lia “Vitória ou morte. ELN”.

Depois de matar Quintanilla, Mônica foi alvo de uma feroz caçada pelas forças de segurança bolivianas, que atravessou países e mares, e só terminou quando a jovem finalmente caiu morta em uma emboscada montada justamente pelo seu “tio”, o sanguinário Barbie, no dia 12 de maio de 1973, em La Paz. Mônica tinha 32 anos e seu corpo nunca foi encontrado.

Essa história incrível e aventurosa é contada pelo jornalista Jürgen Schreiberm, e faz parte da história de nuestra América. Monica Ertl. Presente!

Veja o vídeo, com narrativa em espanhol sobre o dia em Mônica vingou El Che.



domingo, 12 de janeiro de 2014

América Latina - fim de um ciclo



Ao se completarem dez meses da morte de Hugo Chávez, o panorama que se vislumbra na América Latina é desanimador. A Venezuela “cria cuervos”, agarrada com a elite financeira do país que põe a economia no chão. O Equador se rende as mineradoras e aos ditames do Banco Mundial. O Brasil, que nunca chegou a trilhar os caminhos do socialismo, cada vez mais mergulha no pragmatismo do negócio. Países da América Central que estavam inclinados a uma parceria com a Venezuela também se desviam. A Bolívia, apesar de forte influência indígena, igualmente vai se rendendo às grandes empresas privadas, que formam um perigoso poder no país. O Uruguai, que tem sido a estrela da vez, avança em reformas que muito pouco mudam a estrutura do sistema de governo. Ao que parece, a era das transformações está encerrada e o caminho para o socialismo, que era uma promessa do líder venezuelano, está, por hora, interrompido. Como era de se esperar, o desaparecimento de Chávez foi também o desaparecimento do motor teórico do processo “revolucionário” que começou com a chegada desse militar incomum ao poder em 1998.

Quando Chávez chegou à presidência da Venezuela o mundo estava então dominado pelo pensamento neoliberal. Parecia não haver saída desse labirinto de pensamento único. Na América Latina apenas Cuba seguia resistindo, e o presidente venezuelano entrou no cenário com um discurso duro contra o imperialismo e o capital. No princípio foi tratado como um anacronismo, uma falha na matrix que logo seria extirpada. Mas, no tecido social completamente roto da Venezuela a proposta de Chávez cresceu, tomou corpo e se encarnou na maioria da população desde sempre empobrecida. Ele prometia uma revolução bolivariana, amarrada ao ideário do famoso conterrâneo que liderou as grandes guerras de independência da parte norte e leste da América Latina: Bolívar. E o que é o bolivarianismo? Um sistema de governo que tem como plataforma a educação gratuita para todos, soberania, fim do colonialismo político, econômico e cultural, unidade dos países latino-americanos, fim da dependência.

E foi esse sendero que o governo de Chávez foi abrindo por entre as veias da América Latina. Seu discurso forte, seu carisma e, fundamentalmente suas ações, guinaram a Venezuela à esquerda e, com ela, começaram a girar também outros países. O Equador, depois de fortes rebeliões indígenas, foi buscando um caminho soberano. A Bolívia, igualmente derrubou presidentes, ardeu em rebelião e apontou novos horizontes, inauditos. Veio uma nova Constituição na Venezuela, participativa, desde baixo. Outro duro golpe no pensamento neoliberal, no modelo ocidental, burguês. Institucionaliza-se o poder popular, coisa inédita nestes confins. Anunciam-se revoluções bolivarianas, cidadãs, culturais. O imperialismo atacou, deu golpe, mas foi derrotado pela massa que já não estava mais excluída da participação. Chávez voltou fortalecido, passou por novas eleições, sempre vencendo. Dia a dia ele falava com seu povo, lia livros, editava outros tantos, orientava estudos. Não era um bravateiro sem estofo. Sabia o que dizia e o que estava fazendo. Não era ainda o socialismo. No máximo, um capitalismo de estado, mas prometia avançar para além. E caminhava.

Na esteira das mudanças venezuelanas a Bolívia também mudou. Elegeu Evo Morales, das fileiras indígenas e sindicais, construiu de forma participativa e popular uma nova Constituição, criou um estado Plurinacional, avançou na participação, fez assomar a cultura originária, maioria no país. O Equador seguiu o mesmo diapasão. Nova Constituição, outorgou direitos à natureza, estado pluricultural. Abriu espaço para novos pensares, mais além do socialismo: o sumak kausay, uma forma de organizar a vida embasada em conceitos autóctones, dos povos antigos, coisa completamente nova para quem acreditava que o modelo europeu era o único possível.

A América Latina entrou no novo milênio ardendo em novidade e transformação. Quando alguém fraquejava, lá vinha o Chávez com sua voz de trovão, puxando o timão mais à esquerda. E mesmo quando ele mesmo claudicava, ou cedia ao “possível”, buscava nos autores revolucionários, nos heróis do passado,  a inspiração para reavaliar e avançar. E, assim, esses três países em especial (Venezuela, Bolívia e Equador) começaram a realizar algumas mudanças que finalmente mexiam nas estruturas. Outros, como o Brasil, a Argentina, a Nicarágua, Honduras, Paraguai, Uruguai, principiaram a realizar reformas e a amparar pelo menos alguns pontos do bolivarianismo, como a ideia de soberania e união latino-americana.

Quando, no mês de março de 2013, o câncer venceu o comandante, as coisas já não andavam bem. Na Venezuela era possível observar a subida da inflação e a opção do governo por uma aliança com o setor financeiro. O país não conseguia avançar no caminho do desenvolvimento endógeno, atropelado que fora ano após ano por golpes, contragolpes e ações desestabilizadoras da direita. Apesar de todos os esforços empreendidos, o rentismo petroleiro ainda era o carro chefe da economia do país. A produção - de comida e de outros produtos de uso corrente - não deslanchou. Continuava mais vantajoso ao empresariado nacional seguir com a importação, especulando com o dólar, criando um perigoso mercado paralelo para a moeda estadunidense.

Na Bolívia, Evo Morales passou a apostar na lógica do neodesenvolvimentismo, puxada pelo Brasil. Projetos grandiosos com construtoras estrangeiras (brasileiras) e o crescente conflito com as comunidades indígenas. No Equador, Rafael Correa foi mordido pela mosca azul e abraçou-se às mineradoras e as grandes empresas do petróleo. Tem mantido fogo cerrado contra os povos indígenas, acusando-os de barrar o progresso do país e entrou de cabeça na mesma onda do “desenvolvimento” a qualquer custo. O modelo é o mesmo do Brasil. Reforma sem vestígios de revolução.  

A morte de Chávez de certa forma liberou os aliados para uma virada de timão, mais ao estilo do Brasil. Aquilo que Lula não conseguiu, já que era frequentemente ofuscado por Chávez, Dilma logrou. Não tanto pela ação dela, mas porque agora os mandatários vizinhos estavam mais livres para fugir da rota socialista. Daí que se configura inegável o papel de liderança que o presidente venezuelano exercia em todo o continente. Tanto que as proposta de uma aliança com o Caribe e a construção da Unasur foram constituídas a partir de suas investidas. A união das repúblicas latino-americanas era um sul determinado por ele e, num período de crise na região europeia assim como nos Estados Unidos, foi e continua sendo uma alternativa muito conveniente para os países da América Latina.  Mas, apesar de essas propostas seguirem vivas e atuantes, é fato que perderam força política. Os encontros continuam, as instituições também, mas não há uma liderança capaz de articular as ações econômicas com o debate teórico. A última reunião da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) foi um bom exemplo.  Realizada em Caracas no último dia 17 de dezembro, não mereceu sequer uma nota nos jornais. Falta a grandiloquência de um projeto totalizante de combate ao capitalismo.

O professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos, analisa a Venezuela hoje, sob o comando de Nicolás Maduro, e não tem dúvidas de que o processo revolucionário, por agora, se esgotou. “O fato de o partido do governo ter ganhado as eleições municipais agora em dezembro não diz muito. Nos pequenos municípios a política do partido está consolidada. Mas, nos grandes, não. Daí que a direita avança por aí. Maduro não tem a força de Chávez para mudar o rumo dos acontecimentos e talvez nem mesmo Chávez pudesse fazê-lo. Pode até ser que o bolivarianismo siga no poder por algum tempo – e é bom que siga  - mas não haverá mais mudanças radicais e o povo ficará cada vez mais fora do poder de decisão”. Segundo Nildo, a inflação galopante que tem assolado o país e a criação de um mercado paralelo do dólar enfraquecem a economia e a tendência é de que, a seguir essa política, a situação econômica se agrave ainda mais. O empresariado local não tem interesse na produção, está lucrando de forma astronômica com o dólar. E, sem produção, o país segue dependente. É um círculo vicioso e sem saída. A menos que houvesse uma virada de curso. Mas isso não se vislumbra. 

Nos demais países, a falta de um discurso forte acerca do caminho para o socialismo ou qualquer outra forma diferente de organizar a vida, coloca todo mundo - em maior ou menor grau - na posição de "humanizar" o capitalismo.  No Brasil, algumas políticas públicas asseguram renda aos mais pobres, o programa Mais Médicos surge como um importante paliativo de saúde para os fundões do país. Mas, por outro lado, o agronegócio está cada vez mais abraçado ao governo, deitando e rolando no ataque aos indígenas e aos que pretendem colocar qualquer freio a nova expansão da monocultura. Vive-se uma investida anti-indígena só comparada a caminhada para o norte no início do século XX. No Uruguai, apesar de passos importantes como o ataque ao narcotráfico e a busca por uma democratização da mídia, Mujica permite a ação nefasta das papeleiras e de outras grandes crias do capital. Na Bolívia, na última quarta-feira (18.12), chegou-se ao extremo de reprimir, com gás e força policial, uma manifestação de crianças, que marchavam por um código do menor. No Equador, Correa está rendido às petroleiras.

Na verdade, toda a proposta de soberania e anti-colonialismo contida no bolivarianismo parece se esvair. Os mandatários ditos “progressistas” não conseguem sair da roda da dependência. Preferem o acordo com o capital especulativo e com as mega empresas transnacionais, para tentar algum respiro do que chamam “desenvolvimento”. Aplicam políticas compensatórias que até são importantes, a considerar a extrema pobreza que vivem as maiorias, mas que não parecem capazes de romper com o ciclo de uma quase perpétua subserviência. O máximo que conseguem é o que já apontava Gunder Frank: o desenvolvimento do subdesenvolvimento, o que permite algumas ilhas de riqueza, um certo incremento no consumo através da liberação de crédito, mas praticamente nenhuma mudança estrutural. Para os protagonistas de lutas importantes contra o capital, como é o caso dos bolivianos que viveram as guerras da água e do gás, esses governos, mascarados de esquerda, acabam prestando um desserviço à luta anticapitalista. "Eles domesticam o movimento social, seguram os movimentos de luta, cooptam lideranças, disseminam uma mensagem falsa sobre as possibilidades de melhorias dentro do sistema. Assim, retrocedemos décadas. É uma tragédia", afirma Oscar Olivera, uma das mais importantes lideranças da Guerra da Água, em Cochabamba, 

Nos dias de hoje, sem a presença vigorosa de um Fidel, ou a trovejante ousadia de Chávez, o que parece avançar é a acomodação ao velho modelo de dependência e de cooperação com o capital. Mas, ainda assim, a falta de uma alternativa também abre caminho para a construção de outro ciclo, talvez um pachakuti (o mundo de patas para cima, uma viração), como dizem os povos andinos. Algum novo giro, uma nova tendência, uma surpresa, como foi Chávez e seu sonho bolivariano. No final dos anos 90 essa novidade veio de onde ninguém esperava. Agora, enquanto o mundo mergulha no frisson das novas tecnologias, da inserção internética, no reino das sensações, talvez, em algum lugar não sabido, completamente inaudito, esteja brotando o que virá. As lutas não acabam, seguem seu caminho. Os movimentos continuam protagonizando resistência e, afinal, os povos sempre aprendem quando vivenciam experiências alvissareiras, como as que afloraram na última década. Algo novo há de aparecer.

Assim, seguimos!...