terça-feira, 10 de setembro de 2013

No xópim



Eu tenho uma amiga chique. E, vez em quando, ela me carrega para alguns de seus programas chiques. Eu vou, em nome da amizade, mas vou como sou. E foi assim que ontem ela me chamou para acompanha-la numa incursão ao xópim da Beira-Mar.

- Báááá, xópim? Não gosto.. Fico sempre muito tonta dentro desses lugares. São como caixões coloridos e fulgurantes, mas não deixam de ser caixões. Não há janelas, não há sacadas, não há a maravilha do mercado a céu aberto, com cores, ruídos e ar puro. Prefiro as ruas. No geral entro no xópim quando vou comprar algo específico num lugar específico. Fico tonta mesmo, me perco, dá falta de ar. Mas, a amiga ia escolher um vestido de gala para presentear uma sobrinha e eu fui dar um pitaco.

Nossa missão era entrar em todas as lojas chiques que vendem vestidos chiques para ver os vestidos, e escolher um. Minha amiga estava, como sempre, chique. E, eu, estava, como sempre, do meu jeito despojado, embora chique (pelo menos no meu ponto de vista). Calça velha de brim, camiseta com estampa da Mafalda e uma adorável sapatilha usada pelos camponeses equatorianos. Mas, o que para mim é lindo, não parecia para as vendedoras das lojas chiques. Nós entrávamos e elas invariavelmente corriam para a minha amiga, enquanto outra perguntava, ansiosa, se eu estava junto. Tá bom, era engraçado.

Mas foi na loja Tida, revendedora da Dudalina, que aconteceu o fato mais doido. Nós já tínhamos percorrido muitas lojas e eu já estava enfadada com tanto vestido estranho. Pelo meu gosto não compraria nenhum. Enfim. Entramos. A loja é chiquetérrima, tem até tapete com pele de bicho (acho que é falsa). A vendedora, solícita, atendeu minha amiga e começou a mostrar uma série de vestidos empacotados em plástico.

Eu olhava e franzia o nariz. Estava achando tudo muito feio mesmo. Bom, é o meu gosto. Então, comentei com a minha amiga que aqueles vestidos pareciam para gente mais velha, e a nossa presenteada era uma garota bem jovenzinha. Foi aí que a vendedora surtou.

- O quêêêêêê? - E fez uma cara de horrorizada para mim! - "Tu não conhece Patrícia Bonaldi?" Eu fiquei com cara de paisagem. Não conhecia mesmo. Ela, me olhava, estupefata. "Patrícia Bonaldi é uma das mais importantes estilistas do país e ela desenha pra nós". Bueno, me desculpa a Patrícia e me desculpa a vendedora, mas eu realmente não conhecia. Aquilo provocou um frisson na loja. As demais vendedoras nos olhavam como se fôssemos bichos raros. Nos sentimos praticamente empurrada para fora. Havia quase uma repugnância. E nem adiantou a minha amiga girar sua echarpe de mais de 200 reais ou sua bolsa Pierre Cardin. Estávamos marcadas. 

Saímos da loja ligeiras, estupefatas com a estupefação das vendedoras.  A la pucha, como diria meu povo do sul, e tudo por conta de não conhecer Patrícia Bonaldi. Fiquei pensando se as moças conheceriam a Mafalda, que estampava meu peito. Provável que não. Mundos distintos...  

O novo edital dos transportes foi uma decepção geral






A Prefeitura Municipal de Florianópolis chamou uma audiência pública para essa segunda-feira, oito horas da manhã, na qual discutiria a nova proposta para o transporte coletivo e o projeto de licitação das empresas. A audiência se fez sem maiores chamamentos públicos, sem mobilização das comunidades e, por conta disso, com muito pouca presença de usuários do sistema. Afinal, a maioria dos trabalhadores está no trabalho a essa hora da manhã. Ainda assim, representantes de entidades e alguns usuários se fizeram presente e fizeram suas reivindicações.

O representante da prefeitura, Domingos Bonin, abriu sua fala mostrando tabelas que mostram como o número de passageiros no transporte coletivo diminuiu de 2008 (4 milhões e 700 mil) para cá (4 milhões e 400 mil), observando que essa diminuição começou pouco depois da implantação do sistema integrado de ônibus. O que não é novidade, uma vez que a integração, em vez de melhorar, piorou a vida dos usuários, principalmente daqueles que moram nos bairros mais afastados do centro que agora precisam usar três veículos diferentes para chegar em casa. Além disso, com a integração também o tempo de percurso aumentou significativamente, ocupando muito mais vida das gentes. Trajetos que levavam 40 minutos, hoje são feitos em duas horas e meia, com trânsito bom. Ele também mostrou que apesar da diminuição do número de passageiros, aumentou o quilômetro percorrido bem como a frota de ônibus ( de 359 em 2006 para 436 em 2013). Logo, argumentou que um dos desafios da prefeitura é justamente baixar o preço da tarifa, apenas dos números que revelam o aumento do custo do sistema.

Apresentados os números, Bonin falou cerca de uma hora sobre as novidades do novo sistema de transporte pensado pela prefeitura. Segundo ele, Florianópolis terá uma dos mais modernos do país, totalmente informatizado, com informações on line para usuários, trabalhadores do sistema e operadores. "O foco de tudo é o usuário e nossa intenção é diminuir o tempo nos terminais e o tempo do trajeto". Para isso será criado um Centro Integrado de Gestão que vai comandar todo o sistema, inclusive com os novos modais que forem se agregando. Todas as informações serão disponibilizadas via internet e os usuários poderão acompanhar o ônibus através de aplicativos nos tablets e smartfones. Rotas, horários, tempo de chegadas, atrasos, enfim, tudo estará disponível na tela de quem tiver a sorte de ter um equipamento eletrônico. Os que não tiverem poderão ter as informações nos painéis que ficarão nos terminais e também nos pontos de ônibus. 

Ainda segundo Bonin, o sistema integrado terá como se comunicar com o motorista, informando sobre situação do trânsito e outras situações de emergência e é a prefeitura quem vai comandar toda a operação. Barin salientou que com, essa novidade, a licitação vai ter em conta todo o sistema e não só as linhas. Também deixou claro que o novo edital dá mais poder ao poder concedente, no caso, a prefeitura, de intervir no sistema em caso de paralisação envolvendo os trabalhadores. 

A apresentação que apontou as maravilhas das inovações tecnológicas do novos sistema frustrou os usuários e representantes de movimentos sociais que estavam na audiência, uma vez que  quando a conversa chegou no ponto que realmente interessava, como o traçado das linhas, os trajetos, a lógica da integração, Borin remeteu o tema a alguns anexos da lei, que não forma mostrados, apenas citados. E por aí acabou a fala, sem qualquer menção aos problemas reais vividos pela população.

O representante da UFSC, Werner Kraus, foi o primeiro a se manifestar e alertou à prefeitura sobre o fato de que a população precisa tomar conhecimento do projeto inteiro. Salientou que a modernização do sistema vem em boa hora, mas o que realmente importa é o desenho das linhas e toda a problemática que envolve a integração. Sugeriu que esse debate não ficasse só nessa reunião e que a população tivesse mais tempo para conhecer o edital, para poder opinar sobre ele. Os representantes do movimento Passe Livre, bem como várias outras lideranças políticas da cidade se manifestaram alegando que é chegada a hora de o sistema se municipalizar, afinal, essa é uma luta histórica e os problemas que hoje a cidade vive estão intimamente ligados ao fato de que esse serviço público está na mão da iniciativa privada, e aos empresários o que está em primeiro lugar é o lucro, não o bem estar dos usuários. Também foi sugerido que a prefeitura avance para a lógica da tarifa zero, uma realidade em muitas cidades do Brasil e de outros países.  

Causa muito constrangimento em quem sofre o transporte coletivo todos os dias observar que quem pensa o sistema não sabe como ele é no cotidiano, não vive a realidade das filas quilométricas, da integração ineficiente, do absurdo das demoras de trajeto. São decisões tecnocratas, totalmente desconectadas da realidade das ruas. Foi lembrado que ao usuário não basta saber, pelo tablet, onde está o ônibus e todas as demais maravilhas da tecnologia de informação que foram cantadas na apresentação. O que realmente importa é que o sistema funcione, que não se tenha o monopólio das linhas, que a integração seja eficiente, que o tempo do percurso diminua consideravelmente e que a cidade inteira se modifique para o uso do transporte coletivo em vez do carro. Sem isso, não adiantará de nada um Centro de Gestão ultra moderno. 

Também foi solicitado que a prefeitura disponibilizasse o restante do projeto, os tais anexos que só foram nominados, mas não explicitados, para que se pudesse ter uma visão geral da proposta no que realmente importa ao usuário. De resto, a audiência foi uma grande decepção para os que usam o sistema, porque não foi possível saber o que está reservado à cidade. Ficou acertado uma nova audiência para a semana que vem, na qual, espera-se, sejam apresentados os anexos e todos possam discutir o sistema real.

No que diz respeito à repercussão da audiência na mídia comercial, foi tão superficial como a própria apresentação do edital. A maioria dos comentaristas se limitou a reproduzir as loas sobre a "maravilha tecnológica" que foi apresentada, e também o destaque para  o fato de que a prefeitura será mais dura contra a paralisação de trabalhadores. Nenhuma novidade, é claro. Nos jornais, nada que pudesse realmente informar ao público sobre o sistema real. Seguimos então, reféns das informações não prestadas. 

Agora, é esperar que a prefeitura libere o conteúdo total da proposta para que se possa ter uma análise clara do que muda ou não.  

domingo, 8 de setembro de 2013

Jornada de 30 horas, uma luta histórica




TAEs se mobilizaram e foram, mesmo sem ser convidados

A reitora da UFSC, Roselane Neckel, convocou diretores de Centro, Chefes de Departamento e Coordenadores de Curso para discutir o que chamou de “horário dos servidores docentes e técnicos”. Mas, de professores nada se falou. Na verdade, a reitora quis mostrar aos demais colegas professores que dirigem a universidade os empecilho legais para a jornada de 30 horas reivindicada pelos TAEs (técnicos administrativos em educação). Na sua explanação de abertura, Roselane sugeriu que todos lessem com cuidado o relatório construído pelo grupo Reorganiza – compostos por TAEs e membros da administração. Esse documento formulou um diagnóstico da localização dos trabalhadores na UFSC e apresenta uma série de propostas de reorganização do trabalho para que todos possam fazer as 30 horas. Mas, a reitora mesmo confessou que não confia muito na possibilidade de que isso venha a acontecer.

Os motivos para isso vieram na segunda parte do discurso. Segundo ela, as interpretações que chegam da Procuradoria da República e da Controladoria Geral da União, são de que as 30 horas só podem ser garantidas a determinados trabalhadores em determinados setores, bem específicos. Dissertou sobre a UNB e a UFPR, que decidiram pelas 30 horas para todos os trabalhadores e agora estão respondendo na justiça. Também in formou que na UFPR muitas são as reclamações sobre falta de trabalhadores nos setores. Disse ainda que na Andifes, entidade que reúne os reitores de todo o país, não há consenso sobre o que diz a lei. Para a maioria dos reitores o entendimento é de que primeiro há que se mudar a lei, para depois pensar em dar as 30 horas para todos os trabalhadores. “O fato é que hoje a lei não permite as 30 horas estendidas a todos. Nós somos os gestores e temos de responder judicialmente pelas nossas decisões”. 

Depois de explanar sobre todos os entraves que alguns setores do governo e da justiça colocam na lei das 30 horas, a reitora explicou que a reunião era para que os demais colegas, que atuam diretamente na organização da UFSC, também opinassem. “Nenhuma decisão depende da reitora. Temos de dialogar e nos amparar na lei, porque a responsabilidade jurídica é nossa”.

A reunião que foi chamada para discutir a vida dos trabalhadores não tinha convocado nenhum técnico-administrativo em educação. Mas, ainda assim, muitos foram os TAEs que compareceram convocados pelo Sintufsc e por outros grupos atuantes na UFSC. Todos queriam ouvir a reitora e tirar as dúvidas sobre a sua posição acerca das 30 horas. Ela já havia se pronunciado na recepção aos novos trabalhadores e havia dito que não podia tomar decisão em cima de “achismos”. Isso preocupou os trabalhadores uma vez que o relatório do Reorganiza é um trabalho baseado em uma metodologia que foi, inclusive, construída junto com a administração. Logo, não podia ser chamada de “achismo”. Foram quase 500 páginas de levantamentos que concluíram estar a UFSC preparada para as 30 horas. 

Assim, foi bastante decepcionante para os trabalhadores a posição da reitora, não só no fato de não ter chamado os TAEs para dialogar, mas pela visão legalista e francamente contra a ideia das 30 horas para todos. Quando as inscrições abriram para a opinião dos professores que ali estavam, também se abriu o espaço para mais “espantamentos”. Praticamente todos os que falaram se colocaram contra a ideia das 30 horas, alguns se embasando no discurso da legalidade e outros sem base alguma. Um professor chegou a dizer que o controle social do ponto reivindicado pelos trabalhadores era algo muito perigoso. “Qualquer pessoa vai poder chegar e denunciar alguém que não esteja trabalhando”. Outro sugeriu que se a universidade estava funcionando bem com os acordos que garantem meio período para alguns, as coisas deveriam seguir como estão. Não haveria necessidade de isonomia de horário. Outro, disse que os trabalhadores deveriam tratar de mudar a lei, já que essa que havia não permitia as 30 horas. Solidariedade de classe? Nem pensar! A impressão que davam era de que eles mesmos não eram trabalhadores, tal qual os TAEs. 

Os TAEs que estavam no local decidiram que era hora de falar e também se inscreveram tentando argumentar que a luta pelas trinta horas é uma batalha histórica dos trabalhadores, assim como um dia a jornada de oito horas exigiu tantas lutas e mortes. A lei é clara. Qualquer setor que atender 12 horas ininterruptas pode fazer turnos de seis horas. É fato que há muitas interpretações diferentes, mas é hora de algumas administrações assumirem o risco dessa vitória histórica dos trabalhadores, como estão fazendo a UNB e a UFPR. É óbvio que haverá disputas e ameaças, mas é preciso haver segurança de se estar avançando numa reivindicação que é mundial. Trabalhadores que atuaram no grupo Reorganiza apontaram que o relatório está aí para ser discutido de forma aberta e franca, e que deve ser levado em conta também o fato de que as 12 horas ininterruptas vão beneficiar a população, aos estudantes, a todos aqueles que precisam dos serviços da UFSC e que são com a cara na porta tanto no horário do meio dia como depois das seis. Defenderam debates em todos os centros para que toda a gente participe da discussão e entenda que as 30 horas não é só um benefício aos trabalhadores, mas a toda a sociedade.

Também foi lembrado de que com o avanço da tecnologia os processos de trabalho mudaram muito e não são mais necessárias oito horas de trabalho para o cumprimento de todas as tarefas. Logo, a redução de jornada é uma exigência do nosso tempo. Não é nenhuma revolução, apenas a adequação aos novos processos de trabalho. Não levar isso em conta é permanecer no conservadorismo cego. 

É certo que a UFSC é uma instituição que sempre se pautou pelo pensamento conservador. E na relação professor X TAEs, ainda há a ideia de que o técnico é um elemento de segunda categoria dentro da universidade. Já está mais do que na hora de superar esse atraso. Hoje, e cada dia mais, os TAEs estão se qualificando e mesmo aqueles que não possuem uma carreira acadêmica formal devem ser respeitados nos seus saberes, uma vez que igualmente são responsáveis pela vida da universidade. É tempo, então, de avançar nesse ponto e fazer valer a solidariedade de classe. Afinal, todos são trabalhadores, TAEs e professores. 

Ao final da reunião, a reitora insistiu no fato de que há uma questão de legalidade e afirmou que para a decisão de instituir as 30 horas não se trata de ter ou não coragem de fazê-lo. Precisa estar amparado na lei. Os trabalhadores que acompanharam tudo até o final saíram decepcionados. Esperavam ver a reitora assumindo as conclusões do grupo Reorganiza, que bem mais do que apontar as 30 horas, sugere toda outra organização do trabalho na instituição, mais adequada aos novos tempos. Mas, ao que parece, nada mudou.