sábado, 17 de março de 2012

Lucinha, orixá do rio


Rio São Francisco, final de tarde. Era comum as gentes passearem pelo cais de Pirapora (MG) para ver o pôr-do-sol. Havia algo de mágico nisso. Todos os dias eu pegava a magrela e, pedalando, fazia todo o cais, desde as duchas (pequenas cachoeiras) onde ficava o Xangô (um bar) até o final, lá onde descansavam os “gaiolas”, os grandes barcos que navegavam o rio ainda movidos a carvão. Bem no final era a zona do meretrício, lugar proibido para as mocinhas. Mas, eu sempre fui curiosa e distraída. O rio me encantava e eu descia, descia, descia... Quando via, já estava em meio às pequenas casas que já anunciavam a luz vermelha.

Foi lá que conheci a Lucinha, uma linda negra pernalta, de riso solto e gestos largos. Era como uma flor de manacá, fresca e cheirosa. Lavava roupa para fora e passava o dia inteiro no tanque. “Tem problema não, branquinha. A gente fortalece os músculos e não cria barriga. Olha só... É só encolher o estomago... Sempre. A barriga não se cria”. Não ligava de morar na zona e não dava bola para fuxico. “Me deito com quem eu quero. Ninguém me paga as contas”. Gostava de ficar na calçada, ao fim do dia, com sua bacia de mangas ou tamarindos. Depois, banhava no rio e secava ao sol como as roupas que lavava. “Têm dias que eu queria deitar na água e ir até Juazeiro, boiando. Será que existe céu? Conheci minha mãe não, acho que sou filha do cão”.

Hoje, enquanto batia os lençóis no tanque de casa lembrei-me daquela moleca, poucos anos mais velha que eu. Onde andaria? Que teria sido feito de sua vida? Ainda posso ouvir sua risada de cristal enquanto corria pela areia da praia perseguindo um pássaro qualquer. Nossa amizade fugidia, de alguns minutos ao pôr-do-sol, de compartilhamento de frutas e pequenos sonhos se quedou lá na beira do rio. O bom e velho São Chico, forjador de belezas em mim. A Lucinha era como um orixá das águas, uma força viva da natureza e deve andar por lá, de músculos duros e barriga sarada. Nunca me dera conta, mas agora sei, essa mania de encolher o estômago... Lembranças de um tempo antigo e da sabedoria barranqueira.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Coisa linda de ouvir

Bonito demais...

quinta-feira, 15 de março de 2012

Raimundo Caruso: um escritor dos bons

Uma inglesa em Florianópolis

Por Margrit Hamson, Ph.D

18h, dia de muito calor. Tudo parece derreter nessa ilha. Entro no coletivo urbano que, dizem, tem ar-condicionado. Não é verdade. O ar não funciona. É estranho para mim, pois de onde vim quando dizem que funciona, funciona. Mas, tudo bem, sou estrangeira, tenho de aguentar. Entro, mas não encontro lugar. Os assentos para idosos estão cheios, e nem são idosos. Eu tenho meus 50 e poucos, vá lá. Posso suportar ir em pé. Ainda assim, apesar da minha empáfia, mais fruto do porte que da realidade, eu sento no degrau, como vi outro nativos fazendo. Logo o ônibus vai enchendo, enchendo, e em poucos minutos existem pelos menos umas quatro bundas bem na minha cara. Desisto da idéia e fico em pé. Meu ar de lady inglesa é facilmente reconhecível pelo leque que coloco diante do rosto para evitar invasão e pela minha vestimenta, pouco adequada ao calor tropical. Olho para os lados e vejo todo mundo suando, com cara de poucos amigos. Imagino que aquilo ali é o cotidiano da maioria. Eu só estou por ali esporadicamente. Posso compreender porque não há sorrisos. Conversando com uma senhora que ia ao meu lado carregando várias sacolas de supermercado ela me contava que é todo dia isso: superlotação e sufoco. Fiquei horrorizada pois no meu país o transporte é uma coisa muito séria. A mulher riu ao meu comentário e perguntou que eu estava fazendo ali naquele ônibus lotado e mal-cheiroso.

Contei-lhe minha história e deu tempo pois o maldito ônibus demorou uma hora e
meia pra fazer 20 quilômetros até o Rio Tavares.

Nasci no condado de Suffolk, ao leste da Grã Bretanha, na adorável cidade de Ipswish, em pleno estuário do rio Orwell. Tive muito boa criação, mas, não sei se por conta do cabelo vermelho, meio incomum, acabei sendo bastante rebelde. Tanto que quando fui para a escola, minha mãe pintou as longas madeixas de negro: “para dar mais seriedade”. Pode ter sido a tintura, sei lá, o fato é que me tornei uma boa moça. E tão comportada que acabei professora no conhecido Eton College, aquele em que estudam os príncipes e filhos da nobreza. Fiquei lá por quase 25 anos, tida como uma pessoa impecável. Mas, o destino agiu e eu acabei praticamente expulsa há cinco anos quando descobriram que eu vivia um tórrido romance com um irlandês comunista. Isso foi imperdoável. Pode ter sido o cabelo vermelho que se manifestou apesar da tintura. Não sei. O que sei é que o tal romance foi o escândalo do ano. A descoberta de tudo se deu quando ele morreu e eu enlouqueci correndo nua pela cidade, arrancando os cabelos. Não suportava viver sem aquele homem. Robert Carson, um gigante celta.

E esse foi o começo da história que me trouxe a Florianópolis.

Expulsa da tradicional escola eu estava perdida na Inglaterra. Ninguém me daria emprego e quase aos 50 anos, que poderia esperar. Resolvi me matar. Mas, o convite de uma antiga aluna brasileira para vir ao Brasil me tirou da letargia suicida. Arrumei as malas e parti para o desconhecido mundo tropical. Foi um salto no abismo. De Eton para São Paulo, caí numa mansoneta nos jardins. Tudo muito chique, mas insosso. Meu cabelo voltara à cor natural e creio que era ele quem se rebelava. Já não suportava viver ali. Então conheci José, o jardineiro. Forte, espadaúdo, de riso largo. Caí de amores. Pega aqui, pega ali, em poucos dias eu já estava em suas mãos. Ele havia tempos queria migrar, voltar para sua velha cidade. Florianópolis. Então, juntamos as economias e viemos.

Moramos na Caieira, um bairro bem ao sul e eu ainda estou descobrindo a beleza e as agruras de viver por aqui. Mas, uma coisa já descobri. O transporte coletivo é um horror.


terça-feira, 13 de março de 2012

Posto de Saúde: só para saudáveis


Vivia de música o garoto. Assim que escutar é quase um instrumento de trabalho. Naquela noite sentiu que os barulhos diminuíam. Pouco a pouco perdia a audição. Deu medo. Cutuca com cotonete, tampa de caneta, loucuras. Hum... Não deu. “Tens que ir ao Posto de Saúde, guri”, advertiu a tia. Sexta-feira de manhã passou a mão na magrela e foi ao posto. Não tinha esperanças. É difícil ser atendido sem marcar com anos de antecedência. Mordeu a língua. Deu sorte. A enfermeira atendeu. “Isso deve ser cera, pinga cerumim por três dias e depois volta aqui que a gente faz a limpeza”. Saiu sorrindo, estava salvo.

Três dias depois, já completamente surdo e com uma boa dose de desespero voltou ao posto. Calor de matar, sol rachando. Pedala mais de cinco quilômetros até o posto do Morro das Pedras. “A moça não está, volta amanhã a uma hora”. Não adiantou fazer carinha de triste. Toca esperar. Dia seguinte, uma hora, sol a pino, lá vai ele, surdo total, pedalando até o posto. Estava no mais alto nível do estresse, já eram oito dias sem ouvir direito. “Não, a moça não veio, volta amanhã”. Reclama, xinga, nada. Sem saída, voltou para casa.

No dia seguinte lá vai ele outra vez. Toda a novela. Sentia vontade de chorar. De raiva, de ódio, de impotência. Quem não tem dinheiro precisa se submeter a tudo isso. Nenhuma humanidade, nenhuma preocupação, nenhum interesse pelo ser que está em sofrimento. Aquele foi o pior dia. “Olha, a moça saiu de férias, agora só depois do carnaval”. Surtou. Deu discurso, falou da falta de respeito. Se a moça iria entrar em férias, porque não haviam dito isso no dia anterior? Acaso não sabiam que o posto era longe e que a pessoa em sofrimento fica frágil? Nada, só os olhares insensíveis. “Vá ao Posto do Campeche, quem sabe lá tem alguém”.

Volta a pedalar mais uns 10 quilômetros até o outro posto. Repete a história toda, já quase tomado pela ira. O mesmo olhar indiferente. “Estamos sem médico. Só depois do carnaval”. Ou seja, qualquer doença haveria de congelar até passarem as festas do momo. Desesperou. Insistiu que era obrigação do estado prestar socorro. “Vá à policlínica que fica ali perto do terminal”. Seriam mais alguns quilômetros de bicicleta. Sol rachando, ouvido latejando, ódio espumando. Mas, estava desesperado e todo aquele empurra-empurra o deixara mais nervoso. Foi-se... Na policlínica toca a esperar, fila e fila, até que finalmente foi atendido. “Não, estamos sem atendente para limpeza de ouvido. Só depois do carnaval”. O guri desabou. Vontade chorar, de derreter, escorrer pela parede, sumir.

Quando a tia chegou a casa o encontrou prostrado, deitado no alpendre, os olhos em fogo. Conta toda a história, tremendo de indignação. Não adiantara apelar para o estatuto da lei, a Constituição, nada. “Não tem médico, não tem enfermeira, não tem ninguém”. E nada se pode fazer. Vontade de fúria, de matar, de quebrar, todas essas coisas que a impotência traz. Era sexta-feira, carnaval. Ou se resolvia ou não haveria de ganhar o pão. Então, a magia: DINHEIRO!

A tia ligou para uma clínica particular no centro da cidade. “Tem alguém que faça a limpeza de ouvido? Sim, atendemos 24 horas. É só chegar e pagar 200 reais. 200 reais? Sim! Pois é, simples assim... Sorte do guri ter uma tia que tinha 200 reais. Lá foi ele pegar três ônibus para chegar ao centro. Chegou duas horas depois à clínica. Em dois minutos estava ouvindo. E a gente fica a pensar... E os que não têm a grana? Esses, se f...

segunda-feira, 12 de março de 2012

No Egito: do outro lado da linha


Por José Newton Tavares
Chegamos ao Egito tarde da noite. A longa viagem do aeroporto até o hotel, aproximadamente 25 kilômetros, mostrava a dimensão do que nos esperava. Lá nada seria pequeno. Entre uma e outra conversa com o guia, que nos mostrava, pacientemente e em detalhes, lugares e monumentos ao longo do caminho, percebemos que estávamos diante de um mundo novo. Meu olhar se deliciava com aquele mundo “exótico”. Jamais eu havia saído da cultura ocidental. Jamais estivera do outro lado da linha. Estava agora dentro do “eixo do mal”.

Ali estava eu imerso no mundo muçulmano. Mundo esse que a mídia ocidental teima em demonizar, desfigurar, fazendo com que olhemos para ele com um olhar de mão única. Somos “obrigados” a vê-los a partir daquilo que nós temos e eles não têm. O que nos tira a delicia de vê-los a partir daquilo que eles têm e nós não temos. Mas é preciso estar do outro lado da linha para perceber isso. É preciso trocar de pele.

A grandiosidade do Egito não se resume a templos e estátuas magníficas, pirâmides e faraós. Há isso também. Essas coisas vão buscar os turistas comuns, aqueles que, ao viajar, nunca deixam a si mesmo na soleira da porta de entrada; nunca de despem das suas verdades eternas; nunca se deixam beber pelo mundo que visitam. “Os outros são os outros e só”. Esses são os turistas profissionais. Vão apenas visitar a “exoticidade” alheia e voltam como foram: cheios de fotos e vazios por dentro.

Eu, ao contrario, fiz um esforço hercúleo. Andei na contramão. Escutei histórias, contos e sons....percebi lugares, roupas e olhares. Como os antigos beduínos daquelas paragens desérticas, eu esperei que eles se mostrassem para além das chilabas e véus. Esperei que eles mostrassem seus rostos marcados pelo sol escaldante. Fiquei atento a seus mundos escondidos para além das nossas notícias organizadas e editadas pela CNN. E então a surpresa: um oásis de beleza se revelou. Uma humanidade escondida, preterida, sufocada em nome do capital.

Nosso guia, um muçulmano convicto, mas não radical, apaixonado pela sua cultura, nos brindou com um emocionante relato sobre a forma de viver de seu povo. “Vocês nos olham de fora e não entendem a nossa lógica” dizia. “Nós queremos apenas que nos deixem ser do jeito que desejamos. Não queremos a democracia ocidental. Ela não nos fará bem”. Com uma delicadeza de emocionar ele nos disse o óbvio: confundimos autocrático com autoritário. Acreditamos que nossa “democracia” ocidental é libertária. Será democracia? Liberdade para que?

O Egito é um país pobre, mas lá ninguém passa fome. Todos se ajudam. Há um senso de comunidade já completamente extinto em nosso “mundo livre e democrático”. A religião muçulmana, longe de pregar a “guerra santa”, estabelece o dízimo não a uma instituição ou a seu ministro. O dízimo deve ser dado a outro irmão em dificuldade. Com um detalhe: em segredo. Lá não se compra o céu. Ele é dado de graça. Presente divino. Basta alguns instantes dentro da mesquita na Fortaleza de Saladino para perceber isso: a beleza custa barato. Um olhar apenas e nos sentimos no paraíso, aconchegados, ternamente, nos braços de Alá.

Uma pequena história exemplificará. Eu e minha irmã estávamos comprando chilabas em uma pequena loja - numa espécie de shopping do islã - na delicada cidade de Aswan. Cada vendedor se esforçava para ganhar seu freguês. A insistência beirava a insanidade. Na correria para dar o troco, e não perder os clientes, nosso vendedor caiu e machucou a perna. Imediatamente todos os que, antes, de digladiavam em busca de freguês, acorreram ao irmão machucado. Ele parecia importante demais. Lá é assim: primeiro a pessoa, depois a mercadoria. Quão diferente do nosso mundo “democrático e livre”.

As ruas do Cairo também falaram, assim como suas roupas, seus gestos e buzinas (lá a buzina é uma forma de cumprimento). Há algo naquela cidade incompreensível para nossa cultura “democrática e livre”: o trânsito. Aparentemente não há lei. Os carros, em disparadas, entram onde podem e, pasmem, ninguém briga. As batidas são frequentes. Os carros, quase todos, são marcados. Ninguém mata nem morre por um para-choque amassado. É um carro, de plástico/lata. Apenas um carro. Porque brigar? Só pensa assim quem não inverteu valores. Lá amam-se as pessoas e usam-se as coisas. Quão diferente do nosso mundo “democrático e livre”.

E o que dizer das mulheres muçulmanas? Tão aviltadas pela mídia ocidental como oprimidas, relegadas a segundo plano, massacradas e esmagadas na sua feminilidade? Pergunte a elas. Foi o que fizemos. Qual a surpresa? Elas não se sentem oprimidas. A maioria se sente muito bem usando o véu e a chilaba. É a cultura. É seu jeito de viver. Isso em nada depõe contra sua feminilidade. Lá a maioria das famílias está integrada. Vivem juntas até a velhice na saciedade da comunidade, com os filhos e netos. A ideia do amor romântico não é preponderante. Casa-se pelo olhar.

A nossa ideia de relacionamento amoroso seria melhor ou mais livre? Nós que casamos por tesão seríamos mais felizes? A crítica é que lá os casamentos são arrumados, não há amor. E aqui há? As estatísticas dizem que no Brasil a cada oito minutos uma mulher é agredida por seu companheiro. A cada dia uma é morta por esse mesmo homem que lhe jurou “amor” eterno. As delegacias da mulher se entopem a cada dia. Sem contar as milhares que não denunciam, por medo. E a mulher ocidental, escrava de uma beleza inatingível, de uma ideia de amor idílica e criminosa, ainda acredita ser livre. Livre para apanhar ou morrer como quiser nas mãos do seu amado. Mas morrerá sarada, linda de morrer.

É preciso estar do outro lado da linha, verdadeiramente, para perceber que nós somos os escravos. Nós somos os coitadinhos. Nós é que estamos doentes. O mundo “livre e democrático” da democracia estadunidense ora imposta ao mundo é escravizante, desestruturante e assassina. Por isso eles, lá no Egito, não a querem. Sabem que nessa democracia os grandes valores da vida humana jazem sob o capital e a única ética que sobrevive é a ética do mais forte.

No “mundo livre” as mercadorias falam. Surpreso? Vá a um shopping qualquer. Fique atento e ouvirá o grito das mercadorias. A moça entra na loja, experimenta uma calça, mas ela não entra. A moça está acima do peso. Delicadamente a vendedora coloca a calça de volta na prateleira. A calça grita: “Moça! Você está gorda. Vá fazer uma lipoaspiração. Academia. Se vira. Você está feia. Depois volte. Eu ordeno”. Dito e feito. A moça investe tempo e dinheiro, sofrimentos e angustias. Faz regime. Caminhada. Academia. Fica gostosa. Volta na loja na ilusão de que agora ela vai comprar a calça. Ledo engano. A calça a comprou. Há muito tempo. A mercadoria a monitorou o tempo todo, silente, da prateleira. Escrava. Totalmente escrava. Mas não tem importância. Ela vive num “mundo livre”. Poderá passear linda e saltitante com sua calça nova, seu corpo escultural e uma estranha sensação de que nunca será amada, somente desejada.

“Aqui não sabemos o que é depressão” nos disse o muçulmano Abdel Aziz. Palavras estranhas para um ouvido ocidental. Nós vivemos numa angústia crassa. Os consultórios psiquiátricos estão lotados. Crise de ansiedade, crise de pânico, depressão. Essa é a maravilha do “mundo livre”. Preferimos um corpo sarado, malhado, a mostra, umbiguinho de fora, embora desfigurado por dentro. Retorcidos. Almas em escombros. Mas, “livres”.

O corpo e o sexo se tornam as vias régias para a felicidade. Consumir. Somos corpos que consomem corpos. Mas há algo errado. Os urologistas afirmam que 48 % dos homens acima de 18 anos sofrem de algum tipo de disfunção sexual. Aproximatamente metade das mulheres nunca sentiu orgasmo. Confundem a profundidade do amor com um ralo prazer sexual. Estranho. Se no “mundo livre” felicidade é consumir coisas e sexo e se nesse mundo nunca foi tão fácil consumir coisas e sexo, porque a metade dos homens e mulheres são infelizes? Incapazes de sentir o mais terno dos sentimentos: o amor? Mistérios do mundo livre.

Uma conversa rápida com qualquer egípcio médio, esses que estão olhando agora para um novo Egito, basta para perceber que eles vibram em outra frequência, lutam por outros valores e querem outros paraísos, não esses prometidos pela democracia liberal, mas o verdadeiro paraíso humano da bondade, fraternidade e liberdade. Claro que há problemas. Não estou idealizando e glamourizando a cultura muçulmana. Nem tudo são rosas, como em todo lugar. Apenas acredito que não cabe a nós, “democratas ocidentais”, interferir nas suas buscas. Eles têm outra lógica, outra forma de olhar o mundo. Portanto, tem também as soluções. A questão é deles. Porque raios deveríamos dizer o que é certo ou errado? Acaso estamos nós em melhores condições?

Olhar o mundo muçulmano através daquilo que eles têm e nós não temos muda tudo. É um exercício psicanalítico. Um mergulho no nosso vazio. Uma imersão na nossa dor e nossas mazelas. Não é para todos. Dói. Perceber que entregamos ao deus capital a nossa dignidade humana não é algo muito seguro. Perceber que eles ainda mantêm valores essenciais, nos incomoda. Para eles, quem deve mandar na sociedade é Alá e não o capital. Que heresia! Disso decorre toda uma outra forma de viver. Outra lógica. Outro olhar. Outra delicadeza. Mas para perceber isso é preciso sempre estar do outro lado da linha.



Mobilidade Urbana: duplicação no Pantanal

Sociedade Civil, Estudantes, moradores do bairro Pantanal em Florianópolis se mobilizam contra a apressada obra de duplicação da rua geral do Pantanal, para a a qual a UFSC deve ceder terreno. Veja a carta que será entregue nesta terça-feira, dia 13, aos conselheiros da UFSC.


CARTA DA SOCIEDADE AOS CONSELHEIROS DO CUN
Nós, moradores e representantes dos bairros vizinhos à UFSC, de entidades de classe, movimentos sociais e demais personalidades, frente ao debate sobre a Cessão de Áreas Públicas da UFSC, para melhoria no Sistema de Trânsito, manifestamos aos dignos representantes no CUn (Conselho Universitário da UFSC) as seguintes considerações que entendemos serem importantíssimas para a tomada de posição desta importante instituição frente à solução dos graves problemas mais amplos de mobilidade urbana que afetam não somente o campus da UFSC, mas todos os bairros pertencentes à Bacia do Itacorubi:


1. Em primeiro lugar, queremos lembrar os membros deste Conselho, que, em Audiência Pública interna da UFSC, realizada no primeiro semestre de 2010, onde estiveram reunidos o Reitor, o Vice-Reitor, representantes da Administração Central, membros do CUn, professores, estudantes, técnico-administrativos da UFSC, e representantes da comunidade externa, ficou acordado que seriam organizadas oficinas interdisciplinares e participativas com a comunidade universitária e com participação das comunidades da Bacia do Itacorubi, para uma análise mais ampla de todos os aspectos relativos aos impactos economicos, sociais, culturais, ambientais, paisagisticos e urbanísticos do empreendimento da PMF de duplicação da Rua Dep. Antônio Edu Vieira. Estas oficinas não foram realizadas e, por isso, não concordamos com os encaminhamentos traçados pela Reitoria;



2. Sabemos que a mobilidade urbana da região, e particularmente a chamada “Via Pantanal”, já vem sendo debatida há anos pela universidade, estabelecendo propostas e definindo condicionantes para minimizar os impactos de vizinhança, inclusive na paisagem urbana, buscando melhoria da qualidade de vida da população da região, da melhoria funções comerciais e de habitação e da prestação dos serviços públicos e privados;



3. Nas Audiências Públicas, realizadas em 2008, quando foram encaminhadas diretrizes e propostas para o Plano Diretor Participativo, e em 2010, na qual se discutiu a duplicação da rua Dep. Antonio Edu Vieira, as comunidades da Bacia do Itacorubi rejeitaram a proposta desta via como corredor de passagem pela região, indicando outras soluções que pudessem preservar a qualidade de vida destes bairros e ao mesmo tempo dar uma resposta mais duradoura ao trânsito em toda região metropolitana. Disso resultou que esta deliberação foi incorporada às Diretrizes Distritais do Plano Diretor Participativo de Florianópolis, dentro dos princípios da participação, garantidas no art. 2º. da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), Resolução 25 do Ministério das Cidades e da Lei 12.587/2012 (Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana);



4. Sabemos da negativa sistemática da PMF em responder às diversas solicitações da UFSC e das representações da sociedade civil, e assim estamos cientes de que os encaminhamentos, da forma como estão sendo propostos pela PMF, deverão trazer diversos problemas aos pedestres, ciclistas, portadores de necessidades especiais, moradores e comerciantes dos bairros, tendo em vista o tipo de tráfego pesado a ser implantado e o crescimento exponencial deste tráfego de passagem, ao ser desviado da Av. Beira Mar Norte, privilegiando aquela área e transferindo os problemas para os bairros da região da Bacia do Itacorubi;



5. Assim, neste quadro, caso haja a cessão do terreno da UFSC, sem um estudo sério e aprofundado da questão, o CUn estará, certamente, dando um aval a este projeto, ferindo um preceito legal de consulta à população e, desta forma, contribuindo para a reprodução de uma política pública urbana predatória. O aval à predominância de soluções que continuem atendendo o uso do automóvel como principal meio de transporte urbano - contra as orientações nacionais e internacionais de investimentos sustentáveis, que tenham como base o transporte público, a utilização de energias renováveis, o estímulo ao uso de transportes não motorizados, o respeito às normas de acessibilidade – vai contra todos os preceitos sociais e a legislação que tem servido de objeto de ensino, pesquisa e extensão de diversos cursos de graduação e pós-graduação da UFSC;



8. Entendemos, ao contrário dos representantes do Executivo Municipal, que a alegação da falta de recursos públicos não exime o ente público (Prefeitura Municipal) das responsabilidades pela inobservância de direitos e deveres previstos em lei, frente aos atos que irão impactar a mobilidade, o meio ambiente, a paisagem e a infraestrutura urbana.



9. Assim, pelo zelo e gestão democrática, da probidade e do princípio da precaução, que se constitui no principal princípio norteador das políticas ambientais, em defesa do patrimônio da UFSC e do uso enquanto bem comum, solicitamos seja determinada a suspensão da tramitação deste processo do CUN, pelo prazo mínimo e máximo de 6 a 12 meses, para que possamos estudar e apresentar soluções em comum com os agentes de promoção da gestão democrática da cidade, buscando o necessário aval do Ministério das Cidades, Casa Civil / PAC, Ministério Público, OAB, Serviço do Patrimônio da União, Centro de Ciências Jurídicas da UFSC e as nossas representações da sociedade civil organizada.



10. Da mesma forma, rogamos ainda que seja suspensa a tramitação do Processo de Cessão dos terrenos da UFSC, pois não existe clareza institucional, jurídica e técnica sobre o conteúdo do projeto da PMF, sobre a consulta à população e sobre as garantias das contrapartidas que, necessariamente, deverão compor o contrato social.

11. Por sua vez, frente à resistência da Prefeitura em atender aos questionamentos apresentados pela UFSC e pelas representações da Sociedade Civil, colocamo-nos à disposição deste egrégio Conselho para contribuir com o processo de articulação e mobilização institucional, no sentido de envolver outros órgãos da esfera federal, que atuam por transversalidade em função de suas competências e objetivos comuns, na gestão e/ou demandas da Política de Mobilidade Urbana. Muitas destas instituições públicas estão situadas na Bacia do Itacurubi e são partes integrantes dos pólos geradores de tráfego, o que lhes exige participar conjuntamente deste processo.



No aguardo de um posicionamento consciente e pela alta responsabilidade de vossas representações em responder positivamente aos anseios por melhor qualidade de vida da população e pela atenção cuidadosa que a questão merece, ficamos à disposição para quaisquer esclarecimentos que forem necessários.