sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Todo dia é dia da criança

Para meu amigo Leo Nogueira (que é criança)

Dois homens, os quais amo muito, disseram coisas muito semelhantes sobre a criança. Um deles foi Jesus. Ao verem o mestre, numa de suas paradas, entre os caminhos poeirentos das estradas da Palestina, ser rodeado pelos pequenos barulhentos, os seus companheiros decidiram enxotá-los, acreditando que era isso que Jesus desejava. Mas o Rabi fez foi enxotar os apóstolos. “Deixai vir a mim as criancinhas, porque é delas o reino do meu pai”. Daquela cena fala Lucas, em seu evangelho: “O reino de Deus é dos que se parecem com as crianças. O que não receber o reino como uma criança, não entrará nele”, ( Lucas.18:15).

Bem mais tarde, Nietzsche, na Alemanha, vai oferecer ao mundo sua visão de super-homem. Para ele, o super-homem é, justamente, a criança. No seu lindo livro “Assim falava Zaratustra”, Friedrich diz: “Dizei-me irmãos: que poderá a criança fazer de que o próprio leão tenha sido incapaz? Para que será preciso que o altivo leão tenha de se mudar ainda em criança?” A resposta é a chave para a idéia de super-homem. Diz Zaratustra que a criança é a inocência, o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si. “Para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação. O espírito quer agora a sua própria vontade, tendo perdido o mundo, conquista seu próprio mundo”.

A criança não sabe das maldades do mundo, não foi domesticada pela sociedade onde está inserida. Nela não há bem, nem mal, apenas o viver, a descoberta. A surpreendente descoberta de um dedo que se move, de um pé, de coisas que a rodeiam e sobre as quais ela nada sabe. É por isso que um bebê pode sorrir diante de um lobo, ele não sabe do mal, está cheio de encantamento pela vida que passeia diante de seus olhos. É isso que o profeta Zaratustra, de Nietzsche, vem dizer quando propõe a “terceira transformação”. Nenhum mal, nenhum bem, só esse encantamento, esse brilho no olhar, essa sede de descobrir.

É na criança que se vê, inteira, a coragem, a nobreza, a aceitação da diferença, a força que desloca para frente, destemida. Percebe-se aqui o amor imenso de Nietzsche pelo ideal pré-socrático. A criança de Nietzsche é um pouco o herói homérico, guerreiro que vai para a luta pensando em nada. Só a vontade de lutar o impulsiona e, se sai vivo da batalha, celebra a vida que continua. Nem bem, nem mal.

Por isso, esses homens tão desiguais se encontram em mim, porque também acredito que é preciso que a gente nunca perca de vista a criança em nós. Porque só assim entraremos no “reino” (a vida boa e bonita), porque só assim nos tornaremos aquele que podendo fazer tudo, só faz o que é nobre (o super-homem).

Nesses dias que antecedem o dia da criança observei muitas coisas estranhas. Na internet rolou um movimento de colocar desenhos para denunciar a violência contra a criança, e coisas do tipo. Acredito que isso pode ser válido, mas não é suficiente. A violência contra as crianças começa dentro da gente. Todo o drama da violência que vimos expressado cotidianamente nos programas televisivos de desgraças e nas páginas policiais é fruto da ação de adultos que perderam sua criancice. Seja pela desgraça da miséria e da dor que pode ter sido tão grande que os endureceu, seja pela violência de um sistema que tem por premissa básica o lema: para que um viva, outro tem de morrer.

Quando vejo por aí essas caminhadas pela paz, ou esses movimento virtuais, isso me desconforta. Não basta pedir paz aos “bandidos”. Essas criaturas que andam pelos caminhos roubando e matando não são sensíveis a isso. Elas querem é ver mudanças concretas nas suas vidas. Por que raios dariam paz a uma classe que as oprime e destrói? E aí o círculo da violência segue girando.

O concreto da luta pela paz é a mudança real de cada ser humano. Viver como criança, sentir como criança, brincar como criança, amar como criança. Gratuidade, alegria, partilha. Caminhar nessa beleza é o primeiro passo. Depois, já impregnados dessa ternura infantil, a gente sai para a vida, para mudar o mundo. No partido, no sindicato, no movimento, na luta real, concreta, nas estradas secundárias. Mudar o sistema, o modo de organizar a vida. Atuar no sentido de tornar todos crianças, capazes da nobreza, do bem-viver.

Nestes dias em que a televisão ideologiza e bestifica a infância induzindo ao consumo desenfreado, eu busco Jesus e Nietzsche, esses meus amigos, para tentar soprar algum segredo mágico nos ouvidos que sabem ouvir: ouvidos de criança.

Assim, quem sabe, em vez de comprar presentes de plástico, a gente não sai por aí dando cambalhota, pulando amarelinha, brincado de esconde-esconde, cantando cantigas de roda, passando rasteira nos vilões do amor? Precisamos ser crianças, todos nós... Só assim, quem sabe, essa coisa egoísta e fútil que se tornou o mundo, começa a mudar.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Protestos nos Estados Unidos

No coração do capitalismo, Wall Street, os protestos seguem. E a repressão é violenta.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

No centro da velha Desterro


A vida para mim é coisa sagrada. Andar por aí, respirar, ver o por do sol, ouvir os passarinhos, observar uma árvore florida, comer um bom macarrão. Ah... fruição desse mágico jardim! Nem a guerra, a fome, o ódio, a opressão, o desespero, nada tira de mim essa gana de viver e dançar a dança louca da criação. Pelo contrário, essas coisas me movem, me fazem ir à luta. Porque quero, como os indígenas de Abya Yala, o sumak causai, o bem-viver, para mim e para tudo o que vive.

Nessa cidade perdida no mar há coisas demais que nos enlouquecem. O trânsito, os governantes, a apatia, a destruição ambiental, enfim, a lista é longa. Mas, ao mesmo tempo há o centro. Poucas coisas podem ser mais prazerosas que andar pelo centro da cidade, a velha Desterro. Ali, a vida brota na sua mais esplendorosa alegria/dor/turbulência/ternura.

Todos os dias, antes de ir para casa, eu desço no terminal central e faço uma incursão pelas ruas centrais. Na Conselheiro Mafra, olhando as roupas penduradas nas portas do mercado, vendo nas novidades nas lojas de mil e uma coisas, observando os vendedores de bugigangas. Depois, pela Felipe Schmidt, olhando as vitrines, admirando as pessoas que esperam nas longas filas das lotéricas, sonhando com a riqueza fácil. Olho as revistas nas bancas, compro água de coco, vejo os livros na livraria, circulo pelas galerias. Todo dia é uma aventura nova.

O centro tem um cheiro, um sabor, uma vida vibrante. Tem música, tem pintura, tem os velhos, caminhando, tem a figueira, imensa, acolhendo os viandantes. Tem a Margarida em frente à igreja São Francisco, tem o homem do megafone, tem os entrega-papéis de todo tipo, tem o Luciano vendendo seu Tra-lá-lá, os pipoqueiros, os equatorianos que vendem lenços, as mulheres das meias, os peruanos que vendem Cds, os guris do DVD, as mulheres que vendem sexo, tem o café com a boa amiga Jussara. O centro é um coração pulsando. É espaço de encontro, de riso, de luta. Meu coração canta quando por ali circulo. É o que carrega minhas baterias.

Ontem levei um amigo mexicano para ver o que de mais precioso eu penso que temos nessa cidade: a vida em movimento no centro da cidade. Ele, então, encantado com meu amor por esse espaço de prazer, me presenteou com essa linda canção de Petula Clark. Compartilho a canção e o meu amor. Florianópolis não é a ilha da magia que tanto se fala nas propagandas, mas tem um povo lutador que torna esse lugar especial. Florianópolis é onde eu moro, meu lugar, onde divido a vida com seres de primeira qualidade. A despeito dos calhordas destruidores, ainda vale a pena viver aqui...



terça-feira, 4 de outubro de 2011

Nas mãos da rapinagem...

Veja como uma cidade vai se acabando em nome dos interesses de uns poucos. A Ponta do Coral, lugar que a comunidade queria como espaço de lazer vira ponto de especulação. estudantes da UFSC recuperam a história. Nunca é muito lembrar o passado para apontar os caminhos do futuro. Florianópolis ainda pode ser um bom lugar, basta que as gentes se unam e lutem, como andamos fazendo no Campeche.


Hoje é dia de São Chiquinho...

Figura linda que amou os seres que vivem como ninguém no mundo. Exemplo e caminho!


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Povos da amazônia boliviana não querem uma estrada cortando suas terras



Quem conhece a história da Bolívia sabe: o povo é de luta. E se singularizarmos nos indígenas isso fica ainda mais claro. Desde os tempos mais remotos, as comunidades se expressam e definem o que é melhor para elas. Basta que a gente lembre que em 200 anos de república já passaram mais de 180 presidentes no país. Então, o que isso pode significar? Que quando os que mandam não fazem o que parece ser certo à maioria, ela os derruba do poder. René Zavalleta já bem definiu esse processo de rebeliões sistemáticas que parece singularizar a realidade boliviana. O que talvez seja difícil de entender aos não-índios é que os conceitos que regem a vida liberal burguesa no mais das vezes não se enquadram no mundo quéchua/aymara/guarani, e é por isso que para eles a dicotomia esquerda/direita não tem qualquer significado.

Hoje a política boliviana está enredada na luta que as comunidades fazem para que não seja construída uma estrada por dentro de uma área de preservação, o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure. A estrada, diz o presidente Evo Morales, vai levar o progresso, o desenvolvimento e, ele, assim como uma boa parte da população da Bolívia, não consegue entender porque os indígenas não querem a obra. A explicação mais crível parece ser a de que os indígenas do TIPNIS (moradores do parque) estejam sendo financiados ou manipulados por forças que querem desestabilizar o presidente. O próprio Morales tem dito que isso é coisa das ONGs ligadas aos Estados Unidos.

Essa explicação não é coisa para ser descartada. É bem possível que Ongs estejam se aproveitando do momento para fomentar uma desestabilização do governo, coisa que seria muito boa para o imperialismo central. Mas, a realidade boliviana não é tão simples assim. Os indígenas têm outra forma de organizar a vida, pensam com outra lógica. E o que pode parecer progresso e desenvolvimento para alguns, pode significar destruição, saque, mudança radical na cultura e na vida.

O Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure é um espaço de terra de 12.363 quilômetros quadrados, onde ainda está protegida grande parte da flora e da fauna da região da Bolívia amazônica. Ali está também a Laguna Bolivia, um dos lugares mais incríveis para observação da vida silvestre. No território vivem 63 comunidades que mantêm sua cultura e tradição autóctone. São pelo menos 12 mil almas dos povos moxeño, yurakaré e chimane. Agora, com o argumento do desenvolvimento, o governo boliviano, financiado pelo BNDES brasileiro, quer construir uma estrada, que pretende ligar os Departamentos (províncias) de Cochabamba e Santa Cruz. O caminho terá 306 km e já teve as obras iniciadas em junho deste ano. Ela deve custar 415 milhões de dólares e o Brasil financiará 322 milhões. O caminho traçado pelo governo boliviano prevê a passagem por dentro do Parque Nacional, num total de 177 quilômetros.

Essas etnias que vivem na cuenca amazônica não são tolas. Elas sabem muito bem o que significa a passagem de uma estrada pelo meio do parque. Com a estrada vão os povoados, a colonização, a ocupação desordenada, o progresso predador. Essa história já foi vivida milhares de vezes pelos povos indígenas da América latina e todos sabem bem que com a ocupação chegam as doenças e a destruição. Hoje, a região é utilizada pelas comunidades com um alto grau de segurança alimentar e preservação, feita a maneira indígena.

A obra que deve cruzar o parque foi tratada em 2008 pelo governo Evo Morales sem qualquer consulta prévia aos povos moradores da região e é isso que eles questionam na marcha que realizam desde seu lugar de moradia até La Paz. Os povos do TIPNIS realizaram eles mesmos uma assembléia extraordinária onde debateram e deliberaram pela não autorização da construção da estrada. Decisão que é soberana e respaldada pela Constituição. Como o governo não deu ouvidos a isso eles deliberaram pela luta que se expressa historicamente na marcha. Por isso partiram no mês de julho em direção à capital.

Desde aí, o país tem vivido momentos de grande apreensão, pois o governo permanece com a intenção de passar por dentro do parque com a malfadada estrada. Na última semana de setembro o clima esquentou quando os caminhantes foram brutalmente agredidos pela força policial. O presidente Evo Morales afirma que jamais mandaria bater em seus irmãos, mas o fato é que a polícia bateu e deixou muitos indígenas feridos, provocando indignação mundial.

O presidente fala em armação imperialista e ele pode estar certo, mas essa armação pode ter mais a ver com a proposta de integração da Bolívia ao modo de produção globalizado do capitalismo. Por isso todo esse investimento em comunicação, energia e transporte que vem sendo feito sob a batuta do governo brasileiro, através dos financiamentos e da ação de mega empresas como a Odebrecht, Andrade Gutiérrez, OAS e outras. Segundo denúncias dos movimentos sociais bolivianos, essa estrada estaria sendo financiada pelo governo brasileiro como uma primeira abordagem para uma ocupação maior na região amazônica para a construção de novas barragens. Logo, o que está em jogo nessa batalha não é coisa pouca. Caminha aí também o sub imperialismo brasileiro.

Assim, a crise estabelecida hoje na Bolívia envolve múltiplas facetas. A queda de braço que as comunidades estabelecem com o governo diz respeito a pratica real do “estado plurinacional”. Se a Constituição boliviana, feita na luta e na esperança, afirma o direito dos indígenas sobre seu território, e se a decisão é de que a estrada não passe por lá, porque não se acata e pronto? Por que o governo insiste em passar o caminho por dentro do parque? Que interesses obscuros se escondem por detrás dessa decisão?

A marcha que os moradores do parque realizam até La Paz, onde pretendem chegar em 12 de outubro, não é para desestabilizar Evo Morales. É para garantir seu direito constitucional, conquistado com muita batalha e muito sangue boliviano. Acusados de intransigentes quanto ao progresso pela direita, e de “pachamanismo” pela esquerda incapaz de compreender a cosmovisão indígena, as comunidades seguem seu passo lento, no ritmo histórico das suas reivindicações. E chegarão a La Paz e se farão ouvir. Eles reivindicam o direito de viver como decidiram. Se parece atrasado, se parece insensato, se parece loucura, isso é coisa que as comunidades devem discutir. O estado plurinacional conquistado na luta define que os povos originários têm o direito de decidir sobre suas vidas. Se decidirem errado, que mal pode haver? Uma boa olhada no desenvolvimento capitalista dependente que toma conta da América Latina prova que as comunidades brancas e desenvolvimentistas não têm acertado nas escolhas. Que deixem então, que as comunidades indígenas definam suas vidas. Com todos os riscos que isso possa significar.

Evo Morales, para não dar chance ao imperialismo, tanto dos EUA como do Brasil, deveria ter ouvidos de ouvir.