terça-feira, 13 de abril de 2010

América Latina profunda em debate


A manhã de terça feira, nas Jornadas Bolivarianas do IELA, foi de apresentação de trabalhos. O primeiro deles tratou do diálogo entre África e America Latina no processo de construção do socialismo e o no me de Che Guevara foi lembrado como aquele que começou de forma concreta esse dialogo, já que foi lutar pela libertação do Congo. E depois, os demais cubanos que se deslocaram para a África naqueles dias assim como hoje.

O constitucionalismo indígena também foi debatido, a forma de organização dos povos originários e a maneira como exercem a justiça. Foi lembrado que a Bolívia hoje e um dos países que avançou muito no campo constitucional, saindo dos artigos simplistas e redutores.

A identidade e o território no âmbito dos movimentos indígenas foram discutidos pela doutoranda chilena. Hoje os indígenas não lutam mais por terra e sim por território, que implica autonomia e soberania e esse e um movimento que começou com a memória dos 500 anos de dominação.

O Exercito Zapatista de Libertação Nacional também foi analisado, assim como a posição da esquerda diante dele, que foi de rechaço por conta do fato de que o zapatismo não queria tomar o poder do Estado. Outra forma de tripudiar o movimento de Chiapas e transformá-lo num mero movimento indigenista.

A mesa que juntou África e temas ligados ao movimento indígena mostrou a face cruel da colonização que dizimou povos e formas de organizar a vida muito mais avançadas do que o capitalismo que acabou sendo imposto. Hoje, tanto em África como na América Latina esses povos se levantam e reivindicam, buscando construir novas formas de viver neste mundo tão destruído pela ordem do capital. E o encontro mais profundo entre a idéia do socialismo e as formas antigas de viver.

E ao final a fala que reverberou veio de um estudante de historia: porque é mais fácil a gente pensar no fim do mundo e não no fim do capitalismo?

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Socialismo do Século XXI abre as Jornadas Bolivarianas



Começou hoje a sexta edição das Jornadas Bolivarianas, evento principal do Instituto de Estudos Latino-Americanos, que reúne pensadores de vários países da América Latina, e também da China, para um debate sobre o socialismo. A palestra de abertura foi com o teórico alemão, radicado no México, Heinz Dieterich.

A mesa de abertura foi composta pelo reitor em exercício Carlos Alberto Justo da Silva, que ressaltou a importância dos IELA no contexto dos estudos latino-americanos. Disse ainda que a América Latina tem desafios históricos e que cabe a universidade fazer uma reflexão crítica sobre eles. Representando a classe trabalhadora esteve Rinaldo Irineu de Souza, diretor do Sinergia, que falou sobre a luta dos trabalhadores, ressaltando que o Sinergia tem pautado sua ação no caminho de uma alternativa de esquerda. Ricardo Oliveira, diretor do Centro Sócio-Econômico, disse que estava duplamente feliz. Primeiro por estar mais uma vez num evento do IELA e segundo porque, agora, o Instituto está formalmente ligado ao CSE. Já o presidente do IELA, Waldir Rampinelli fez um breve retrospecto sobre o tema socialismo e sobre como outros modos de organizar a vida foram se extinguindo ao logo da história, deixando claro que o capitalismo também pode ter um fim. Participou da abertura também o chefe do departamento de Economia, Helton Ouriques.

O socialismo do seculo XXI

Logo em seguida o professor Heinz Dieterich iniciou sua conferência falando sobre o programa de transição econômica que apresentou em fevereiro na União Européia. Heinz lembrou que esta conversa sobre socialismo do século XXI começou na Venezuela. “Foi grande o debate, mas não redundou em profundidade, o que significa que, lá, não há grandes avanços na consciência anti-capitalista”. No Brasil o debate tem sido pífio por conta da ideologia do PT e, na mídia, quando aparece tem caráter pejorativo. “Eles falam de socialismo do século XXI ligando-o à Chávez e ao comunismo no que há de mais atrasado”. Na verdade, diz Heinz, este é um combate contra um fantasma porque na Venezuela não foram criados quaisquer mecanismos ou instituições que tenham saído do sistema capitalista. ‘É fato que aquele é um governo mais democrático, tem referendo quando o povo quer, tem eleições limpas. Mas a economia é a de mercado. Não há socialismo, a empresa privada segue sendo fundamental, os meios de comunicação são privados. Então falar de socialismo na Venezuela de Chávez é confundir as gentes”.

Segundo Hienz, para entender o caráter econômico da Venezuela haveria que se voltar a Vargas, Perón, Cárdenas, Allende ou Simón Bilívar, porque o modelo econômico de todos eles é o da Grã Bretanha, de um nacional desenvolvimentismo. Lá na Inglaterra, eles precisaram de relações de produção e de distribuição, então criaram o capitalismo protegido pelo Estado. Foi assim que os ingleses conseguiram tanto poder. Eles tinham o discurso de livre comércio para os outros, para distrair os competidores, mas, na prática, faziam o contrario, conquistando a Índia, a África. Criaram o capitalismo desenvolvimentista. “E isso é que está fazendo Lula , por exemplo, então o capitalismo de estado que FHC critica em Lula está ancorado neste modelo que foi uma coisa extraordinária. Os libertadores da América também pensavam nesta saída, enquanto os conservadores queiram o livre comércio. E, na disputa, venceu a o livre comércio, eram os neoliberais daquela época”. Mas, os governos mais à esquerda que se expressaram na América Latina eram nacionalistas desenvolvimentistas e avançaram porque estavam mais próximos do povo. Por isso vieram os golpes de estado contra eles, as ditaduras.

Segundo Heinz, depois de 1994 começou uma nova fase de desenvolvimento aqui na América Latina. Chávez a inaugura na Venezuela, depois vieram Evo, Correa e em alguma medida Lula e Kirchner. É quando começa a crescer a economia. Chávez começa a falar em socialismo e a oligarquia usa isso para combatê-lo. Porque já não podiam mais combater estes governos por populistas ou ditadores, então passaram a golpear com o tema socialismo. “Mas não existe socialismo na América Latina. E eles não podiam acusar estes presidentes de estarem sendo desenvolvimentistas, então usam o tema socialismo para assustar os conservadores”.

Heinz comentou então as diferenças que existem entre a idéia de socialismo do passado e a do socialismo do século XXI e em primeiro lugar observou que com Marx aparece o socialismo científico, baseado no materialismo dialético, que em última instância significa que tudo está em movimento. “Materialismo significa que tu reconheces um mundo fora de ti, objetivo, independente do observador, e dialético se refere ao movimento. O único que existe no universo é a matéria, ela tem extensão física e aí nasce o espaço, tem corporalidade e está em constante movimento, o que significa mudança. Por isso é ridícula a idéia de Francis Fukuyama, porque contraria o axioma do cosmos. Conhecer esse movimento pressupõe que podemos prever os desastres econômicos, assim como prevemos os furacões. Isso é ciência”.

O teórico alemão recordou que Lenin tentou implementar o socialismo, experimentar na prática, mas as condições não o permitiram, surgindo então o bolchevismo, a economia planificada. Isso colapsou e hoje aí está outra concepção do socialismo, que chama do século XXI. “É uma democracia participativa, com economia planejada no valor do trabalho e não no valor de mercado. São diferenças abissais. Por exemplo, em nenhuma constituição do mundo é o povo que decide se o país vai para a guerra. A decisão está na mão de uma pequena elite. Nesta democracia burguesa o dinheiro tem uma influência tremenda. Exemplo: a taxa de milionários nos Estados Unidos é de 1% da população, mas no Congresso Nacional é de 60% a 90%, ou seja, é uma plutocracia. Mandam os ricos, que são minoria”. Por conta disso, um sistema de voto secreto e universal por si só não significa democracia.
Pois o socialismo do século XXI propõe outra forma de organizar a vida, democratizando não apenas a política – com outras formas de eleição – mas também a economia, a cultura e o poder militar. “O orçamento deveria ser decidido pela população, outras questões da economia também. Com a televisão e a internet se poderia informar e formar os cidadãos”.

Essa minoria pretende continuar apostando na economia do mercado, acreditando que o mercado tem mais eficiência para coordenar o processo, que essa é uma área complexa e não pode ficar nas mãos de um partido ou das gentes. Isso não é mais crível. “Há que clarear essa mentira. Na União Soviética o socialismo não naufragou por conta da planificação. Toda a economia é planificada, inclusive a de mercado. Até no neolítico 10 pessoas tinham que planejar como caçar um veado. No capitalismo também há planejamento. Mas tanto no socialismo soviético como no capitalismo era uma minoria que fazia isso. Não havia a consulta ao povo. No socialismo do século XXI tem de haver essa participação, essa planificação precisa ser democrática”.

Heinz também avança na proposição de outra medição do trabalho. Hoje , o preço de mercado é uma expressão de poder, o aumento de salário só vem se houver sindicato forte, lutas descomunais, competições. Os empresários tem o poder, dirigem e controlam a economia. No socialismo pode-se ter outra medida de valor, a quantidade de energia, a quantidade de informação ou valor do trabalho. “No socialismo do passado a propriedade privada era considerada o grande mal, havia que acabar com ela. Os social-democratas encontraram um jeito de mantê-la. Elas seguem privadas, mas pagam impostos que serão distribuídos. Não deu certo. No socialismo de hoje, não importa quem tem os meios se for tirada do empresário a faculdade de explorar o trabalhador. Cada trabalhador tem direito ao valor total do seu trabalho. Se trabalha por 40 horas recebo produtos e serviços igual aos de 40 horas. O que não há é a permissão de enriquecer”.

No socialismo do século XXI, diz Heinz, também não cabe haver partido único, porque se trata de trazer ao povo mais democracia. Hoje a conformação de classes é diferente da do tempo de Marx. “Nesta fase de transição é preciso organizar as forcas em um centro comum, um centro de gravitação comum, mas não única, como a Frente Amplia, no Uruguai. Não é partido único. Não queremos monopólios nem na economia nem na política.